Já era de conhecimento público que a Amazônia é responsável por fazer chover em várias regiões do Brasil, irrigando lavouras País afora, graças aos rios voadores, imensas massas de ar carregadas de vapor de água que se movem pela atmosfera, como se fossem rios no céu. A novidade, trazida por um novo estudo, indica que são as terras indígenas as responsáveis por abastecer 80% da área das atividades agropecuárias brasileiras.
Em termos econômicos, significa dizer que a renda do setor agrícola nas áreas mais beneficiadas por essa dinâmica chegou, em 2021, a R$ 338 bilhões — 57% do total nacional, indica o estudo do Instituto Serrapilheira.
“O que fizemos foi usar dados que já estavam disponíveis desde 2020 para quantificar de fato essa influência – não só do ponto de vista da água, mas também da economia, em uma abordagem interdisciplinar”, explica a matemática e meteorologista Marina Hirota, professora na UFSC uma das autoras do estudo. “Ou seja, mais do que mapearmos as chuvas que atingem as áreas de agropecuária, convertemos esse dado em valores econômicos.”
Quem se beneficia
Os dados indicam que 18 estados mais o Distrito Federal encontram-se parcial ou totalmente dentro da área de influência dessas Terras Indígenas (TIs) amazônicas, entre eles Mato Grosso, o maior produtos dor agrícola do País. Há regiões, afirmam os pesquisadores, onde a chuva proveniente da reciclagem de água feita pelas florestas das TIs amazônicas chega a um terço do total anual de chuva de cada local.
A chuva é condição fundamental para o exercício da agricultura e a pecuária, que estão entre as atividades que mais consomem água no Brasil. De acordo acordo com o hidrólogo Caio Mattos, pesquisador de pós-doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e também autor do estudo, o desmatamento e a degradação das florestas nas Terras Indígenas causam a redução dessas chuvas e, com isso, acarretam riscos graves à economia do País.
“Isso significa que a conservação dessas florestas é crucial para garantir a cadeia produtiva do setor agropecuário e, portanto, a produção de uma significativa parcela da economia nacional.”
Apesar disso, Rondônia e Mato Grosso, que figuram entre os nove estados mais influenciados por essa chuva, estão entre os estados que mais desmataram florestas desde 1985.
Os dados mostraram, ainda, que as chuvas provenientes dessas TIs contribuem diretamente para a segurança alimentar nacional. Isso porque a participação da agricultura familiar no valor da produção total supera os 50% em vários estados influenciados, e grande parte da produção desses pequenos produtores é destinada, justamente, ao mercado interno.
Barreira ao desmatamento
As Terras Indígenas ocupam aproximadamente 23% da Amazônia Legal, incluem mais de 450 territórios e abrigam cerca de 403,6 mil pessoas. Elas atuam como barreira ao desmatamento ao longo da história: dos 4,4 milhões de hectares desmatados no bioma Amazônia entre 2019 e 2023, apenas 3% (130,2 mil hectares) ocorreram dentro de TIs.
Isso acontece porque grande parte das atividades desenvolvidas em TIs são realizadas de maneira integrada ao ecossistema, envolvendo formas de uso e manejo que não necessariamente implicam na remoção da vegetação nativa. Existe, assim, relação intrínseca entre a proteção territorial de povos indígenas e a conservação de ecossistemas.