Por Fabrício Queiroz
Viver cercado pela maior floresta tropical do mundo foi uma experiência transformadora na vida de José Coelho. A família morava às margens do rio Amazonas, na ilha de Santa Rita, em Juruti, trabalhando com o extrativismo de juta e criação de animais. Uma vida repleta do que é proporcionado pela natureza, mas também por seus desafios, como as cheias anuais, que inundavam a casa e obrigavam a família a se mudar constantemente.
A lembrança da apreensão e dificuldades que os pais e avós enfrentavam a cada subida do rio inspirou José a criar um projeto inovador de palafitas sustentáveis adaptadas para a realidade das várzeas amazônicas. Essa é apenas uma das iniciativas que conseguem aliar os saberes tradicionais com o conhecimento científico para desenvolver soluções para as questões locais .
Como o Pará Terra Boa mostrou ao longo da série Guardiões da Floresta, durante a Semana do Meio Ambiente, a proteção da Amazônia passa por muitas mãos e mentes e os amazônidas estão cada vez mais engajados em provar que um mundo mais sustentável é possível. Nesta sexta-feira, 6 de junho, em que se celebra o Dia do Ribeirinho, a história de José Coelho, ganha ainda mais importância.
“Todo o projeto é baseado em ideias empíricas do meu pai, da minha mãe e dos meus avós. Em 2014, quando eu cursava engenharia civil, na primeira aula de metodologia científica, o professor pediu a elaboração de um projeto com pegada sustentável. Logo veio esse insight e escrevi tudo ali, transformando os problemas em soluções”, conta José sobre a ideia batizada de Casa de Várzea.

Uma das principais diferenças em relação às palafitas comuns em comunidades ribeirinhas é a inclusão de sistema de elevação hidráulica natural, que acompanha o movimento das cheias dos rios e evita o alagamento. Além disso, a casa foi projetada para ser construída com materiais sustentáveis, como madeira de projetos de manejo e uma madeira biossintética elaborada com 70% de resíduos vegetais, como caroço de açaí, fibras e galhos, e 30% de polietileno proveniente da reciclagem de plástico.
“Com isso, eu consigo aliar o conforto térmico da madeira com a durabilidade do plástico. Já temos testes realizados em câmara de envelhecimento no Inmetro que comprovam que a madeira biossintética pode resistir até 300 anos pegando sol e chuva. Isso faz com que também diminua a necessidade de uso de madeira que precisa ser trocada a cada três anos quando tem contato constante com água”, explica.
Além disso, a madeira biossintética recebe um tratamento para incorporar o princípio ativo da andiroba. Bastante utilizado pelos amazônidas por causa de suas propriedades anti-inflamatória, cicatrizante e terapêutica, o fruto é também um repelente natural, fazendo com que caia a ocorrência de carapanãs, mosquitos e outros insetos transmissores de doenças, como a dengue, a febre amarela e a malária. “É uma contribuição para a saúde pública dos ribeirinhos”, afirma José.
Outras inovações envolvem toda uma estrutura de suporte que permite que a casa possa ser habitada ou adaptada para outras construções gerando o mínimo impacto ambiental. A geração de energia, por exemplo, ocorre por meio de painéis solares; fossa séptica e biodigestores fazem o tratamento de esgoto; e um microssistema de tratamento filtra a água utilizada em pias e chuveiros antes de despejar no ambiente.

Iniciativa patenteada
A iniciativa é hoje patenteada como Casa de Várzea e já vem sendo aplicada em projetos no estado. Entre eles está a Casa do Sebrae na COP30, que acontece em novembro, em Belém, e a Escola Nossa Senhora da Conceição, que está sendo construída na Ilha de Urubuoca, no distrito de Icoaraci, na capital paraense.
A estrutura terá 500 m², quatro salas de aula e oferta de cursos da educação básica, ensino técnico e cursos superiores, em parceria com a Universidade do Estado do Pará. A previsão é que a inauguração ocorra antes da conferência do clima.
A ideia é que a chamada escola da várzea seja um legado da COP30 e ajude a mostrar ao mundo as tecnologias e a inovação que surgem na Amazônia e chame atenção de investidores e governos para que essa ideia chegue a outras comunidades isoladas.
“A minha inquietação sempre foi de não aceitar viver no paraíso, mas com zero de infraestrutura. O ribeirinho é um sentinela da Amazônia que vive e preserva o meio ambiente, mas não recebe os serviços necessários. A Casa da Várzea foi a minha vida, a minha infância e eu busquei traduzir tudo isso nesse projeto. Só quem sentiu na pele as problemáticas das cheias pode arrumar a solução”, afirma José Coelho.
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