Por Tereza Coelho
Pouco menos de um mês antes do início da COP30 em Belém, a OEI (Organização de Estados Ibero-Americanos) divulgou a lista de estabelecimentos selecionados para fornecer produtos alimentícios nas Zonas Azul e Verde entre os dias 3 e 28 de novembro de 2025.
Entre os selecionados, estão empreendimentos conhecidos por trabalhar com ingredientes que foram alvo de polêmica em agosto deste ano, após a OEI proibir a entrada de açaí, tucupi, sucos de fruta in natura e maniçoba por ‘alto risco de contaminação’. Na mesma semana, após protestos, a OEI publicou uma errata para incorporar a culinária paraense.
Na época, o chef Saulo Jennings, escolhido como embaixador gastronômico da ONU Turismo, comentou que serviu o tacacá na abertura da Conferência do Clima de 2023 e criticou as proibições:
“Quer dizer que dentro de casa não posso usar nosso alimento? Faz mal? Nosso povo tem uma imunidade diferente do resto das pessoas do mundo inteiro? Porque só a gente sobrevive comendo esses alimentos. Quer dizer que nosso governo não tem órgãos fiscalizadores? Tem e funciona. Tem Vigilância Sanitária, temos todas as regras de alimentação”, disse.
Diversidade à mesa
O Delícias do Quilombo, restaurante familiar que há 13 anos trabalha com pratos de origem quilombola e ribeirinha, é um dos selecionados para atuar nas zonas Verde e Azul. O casal Eduardo Cravo e Ana Maria Batista, vindos do quilombo Burajuba, em Barcarena, e do quilombo Gurupá, em Cachoeira do Arari, oferecem no cardápio pratos que toda a família consome desde a infância.
“Nós crescemos e criamos nossos filhos comendo pratos à base de peixe, açaí, tucupi e frutas regionais. Fico feliz que o equívoco tenha passado porque existem formas seguras de preparar esses alimentos, o que sempre fizemos”, diz Eduardo, pai de Ewerton, Edielton e Edney, que atualmente colaboram com o negócio no campo e na cidade.

Já o Iacitatá Arte e Cultura Socioambiental, que também faz parte das iniciativas selecionadas, atua como ponto de cultura alimentar, integrando uma rede formada por mais de 50 comunidades com produção de base agroecológica, composta por agricultura familiar, indígena e quilombola, além de insumos produzidos pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST.
Uma das responsáveis pelo espaço é Tainá Marajoara, descendente de indígenas da Ilha de Marajó e que participou ativamente da articulação para que a comida marajoara fosse reconhecida como cultura nacional. Para ela, a seleção é uma forma de promover o legado de cada mão que leva o prato à mesa:
“A comida não chega sozinha no prato, leva um pouco de todo o contexto social da agricultura que pode conter conflitos de terra, aniquilação de povos originários. Valorizar quem luta diariamente para levar um prato saudável à mesa é uma forma de reforçar que este é o caminho certo, especialmente para as novas gerações”, diz.

O chef e chocolatier Fábio Sicilia, da Gaudens Chocolates, também selecionado, relembra o projeto coletivo que se consolida neste momento, iniciado antes mesmo da confirmação de Belém como sede. Em 2023, ele recebeu a medalha de bronze no concurso mundial da Academy of Chocolate de Londres pela criação do chocolate com cupuaçu.
“Nossos produtos (chocolates regionais feitos com cupuaçu, bacuri, tapioca e castanha do Pará) fizeram parte de presentes entregues ao presidente Lula e outras autoridades internacionais como forma de chamar a atenção para a alta qualidade do que estamos fazendo e podemos proporcionar aos visitantes e ao mundo, por meio das exportações”, relembra Fábio.

Para ele, estar presente nos espaços onde os negociadores do clima também estarão serve como lembrete prático do peso de cada decisão tomada e acordo firmado.
“Estaremos ali representando boas práticas com o meio ambiente e socialmente justas. Selar compromissos e ter a intenção real de cumprir ajuda o meio ambiente e a sobrevivência de todos os povos e negócios que estão ali diante deles, além de muitos outros que estão nos campos e florestas”, destaca.