A aprovação do Projeto de Lei 2159/2021, que altera as regras do licenciamento ambiental no Brasil, tem gerado alertas para riscos econômicos, reputacionais e ambientais que podem comprometer o desempenho e a competitividade do agronegócio brasileiro no cenário global. A avaliação é do cientista Carlos Nobre, referência internacional em mudanças climáticas e integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
“Esse projeto de lei não pode continuar. Se chegarmos à COP30 com essa proposta aprovada, todo o potencial que o Brasil tem para fazer dela a mais importante das 30 COPs será perdido. Em vez de liderar essa busca diante da emergência climática que o planeta vive, o Brasil estará indo na direção contrária”, afirmou Nobre.
A proposta aprovada pelos deputados estabelece normas gerais para o licenciamento ambiental em todo o território nacional e cria mecanismos de flexibilização para obras e empreendimentos com potencial de impacto. Na prática, o texto, que ainda precisa ser sancionado peelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, reduz a capacidade de controle sobre atividades com impacto direto sobre os recursos naturais.
Pressão internacional e ameaça à competitividade
A medida pode comprometer a posição do Brasil nos mercados internacionais, especialmente diante de exigências cada vez mais rígidas contra o desmatamento, como no caso da União Europeia. Para Nobre, a lei coloca toda a economia do País, incluindo o agronegócio, em uma posição crítica.
“A União Europeia já deixou claro que não admite importar nada que venha de desmatamento a partir de janeiro de 2021. A gente tem que torcer para que outros países que importam os produtos do Brasil, até mesmo os países do Oriente Médio — especialmente a China, o maior importador de produtos do Brasil, como alimentos, carne, soja e muitos outros — adotem o mesmo posicionamento.”
Para se ter ideia, após a aprovação do PL pelo Senado, em junho, a Comissão Europeia excluiu o Brasil da lista de 140 nações consideradas de “baixo risco” de desmatamento, classificando-o na categoria padrão, ou de “médio risco”. A lista avaliou o risco associado à produção de sete commodities: carne bovina, cacau, café, óleo de palma, borracha, soja e madeira.
Impactos sociais e riscos à saúde
Além dos efeitos econômicos e diplomáticos, Carlos Nobre também alerta para as consequências sociais e sanitárias da flexibilização do licenciamento ambiental. Segundo ele, o texto aprovado pode facilitar atividades como a mineração em áreas sensíveis da Amazônia, agravando a contaminação por mercúrio e colocando em risco direto a saúde de populações que dependem dos rios para alimentação.
“O Brasil precisa de projetos de lei que façam do País um dos que mais combatem a emergência climática, protejam a biodiversidade e também milhões e milhões de brasileiros. Só para dar um exemplo: esse projeto aprovado vai acelerar demais a mineração de ouro na Amazônia. Isso provoca contaminação por mercúrio e afeta milhões de pessoas”, pontuou.
Rumo ao ponto de não retorno dos biomas
Especialistas já alertaram que incentivar o autolicenciamento, por meio da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), e permitir que estados e municípios criem regras sem parâmetros nacionais mínimos agrava a insegurança jurídica e ambiental no Brasil. Para Carlos Nobre, o maior risco está no efeito indireto da medida sobre o avanço do desmatamento em regiões críticas.
A situação é especialmente preocupante em áreas como a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal, que já enfrentam níveis elevados de degradação ambiental. Essa expansão descontrolada da fronteira produtiva pode empurrar os ecossistemas para além do chamado ponto de não retorno, quando as mudanças deixam de ser reversíveis e colocam em risco a estabilidade climática de todo o país.
De acordo com Nobre, a Amazônia já está próxima desse limite. “Se passarmos desse ponto, podemos perder entre 50% e 70% da floresta até antes de 2050. A reciclagem de água da floresta amazônica, o que chamamos de rios voadores, responde por grande parte da chuva no Cerrado, no sul do Brasil e até 15% da chuva no Sudeste.”
“Se a Amazônia desaparecer, o impacto será enorme. O Cerrado já está 52% desmatado e muito próximo de seu ponto de retorno. A Caatinga se expandiu 230 mil quilômetros quadrados em 30 anos, invadindo o Cerrado. O Pantanal já perdeu mais de 40% de sua água. Todos esses biomas estão à beira do colapso. Se ultrapassarmos esse limite, a Amazônia vira uma savana superdegradada, o Cerrado se transforma em Caatinga, e a Caatinga em semi-deserto”, concluiu.
Fonte: André Garcia/Gigante 163
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