Por Tereza Coelho
A Ilha do combu, joia ribeirinha a apenas 15 minutos do centro de Belém, emergiu como um dos destinos mais cobiçados durante a COP30, mostrando seu potencial de desenvolvimento sustentável e do ecoturismo no Pará.
Com quase 500 famílias e mais de 4 mil habitantes, a ilha revela um ecossistema econômico vibrante, onde a rotina ribeirinha se harmoniza com empreendimentos inovadores, preocupados como a saúde da floresta.
O intenso fluxo de visitantes — que pode superar 5 mil pessoas nos finais de semana de verão — e a atenção global inédita, catapultada pela COP30, trazem a urgência de garantir que o crescimento do turismo responsável se traduza efetivamente em políticas públicas e investimentos que superem os desafios estruturais da comunidade, consolidando um modelo de desenvolvimento justo e replicável na Amazônia.
Edivan é atravessador e vive na ilha. Diariamente, ele leva entre 100 e 700 visitantes às diversas opções de turismo e entretenimento que existem no local. Ele conta que há períodos com maior e menor movimento, mas que a ilha recebe turistas o ano inteiro.
“É 10 conto (R$ 10) pra ir e pra voltar, baratinho. A gente sabe de cabeça todos os restaurantes e ajuda os grupos sem guia de turismo quando querem ir em algum lugar. Levo gente o ano inteiro, estudantes, doutores, turistas, gente daqui mesmo que vai pra Belém trabalhar ou estudar. Num dia fraco são umas 100 pessoas por dia, de 7h às 18h, num dia bom, passa das 700 (pessoas) facinho. Até entre janeiro e março, que chove muito, tem demanda, ela nunca falta”, diz.
Para ele, a COP30 foi divertida e trouxe aprendizados, mas espera que as atenções sejam convertidas em investimentos e qualidade de vida para quem vive e trabalha na ilha.
“A maior lição é que o Brasileiro sabe se virar e por isso a gente passa menos aperto. Aprendi a falar um pouquinho de inglês, um pouquinho de espanhol, as vezes a gente se enrola, mas sempre tem alguém no barco que também ajuda. Foram poucas viagens só com turistas, sempre tinha gente da cidade e da ilha também, então todo mundo se entende. Eu só espero que isso também vire investimentos pra gente que mora e trabalha aqui viva melhor”, comenta.
O pioneiro e a visita ilustre
Fundada no início da década de 80, o restaurante Saldosa Maloca é um dos primeiros estabelecimentos da ilha. Idealizado pelo casal José Anjos e Odete Quaresma dos Santos, o local foi se adaptando ao tempo e atualmente é um “eco restaurante”, contando com biodigestores para gestão de resíduos orgânicos e sítio próprio com temperos e frutas.

O local, que também conta com uma certificação internacional de sustentabilidade, é administrado por Prazeres Quaresma, filha do casal fundador, junto com a irmã, Kelli. Para ela, a COP30 trouxe dias muito intensos e proveitosos para o local e recebeu até uma visita ilustre a rainha Mary Elizabeth Donaldson, da Dinamarca, que acompanhou o processo de produção do açaí.
“Quem veio não quis só desfrutar, mas também conhecer nossa história e o que vivemos. Como fomos um dos primeiros aqui, pudemos falar da chegada da energia elétrica na ilha (ocorrida em 2011), dos nosso desafios ambientais com gestão de resíduos e água. Nós conseguimos implantar soluções para essas demandas, mas para isso ser geral por aqui é preciso política pública, investimento e até conscientização ambiental para os clientes e comerciantes”, disse.
Joana Vieira é gestora do Paraensíssimo, um dos mais recentes e procurados restaurantes da ilha. Após ganhar fama em todo o estado pela atuação como professora de língua portuguesa e redação, Joana desenvolveu o projeto que une gastronomia, educação e cultura marajoara no Combu, com foco no turismo sustentável.
“Nós abrimos todos os dias, mas nos finais de semana enchia de tal forma que precisamos avisar que não podíamos mais receber ninguém. 90% dos nossos visitantes durante a COP eram turistas”, relata.
Ana Laura Costa realiza agendamentos para grupos de visitantes e explica que há um sistema comunitário que integra os negócios da ilha. Esse sistema é completamente acionado quando há grupos de visitantes, visando extrair o máximo da experiência do ecoturismo sustentável e do envolvimento da comunidade.
“A maioria das pessoas conhece os restaurantes, mas temos os agricultores, fabricantes de polpas, sucos. Existe um ecossistema econômico muito sólido, mas também temos centenas de pessoas que não tem acesso ao básico, como água encanada. Quem tem água faz um sistema próprio de captação, mas sabemos que é um direito básico e universal da população. Em cada roteiro a gente não mostra apenas o turístico, mas também um pouco das necessidades locais que podem ser atendidas e do impacto de cada mudança no meio ambiente em tudo o que fazemos”, diz.
Turismo responsável como legado
Joana destaca que parte da conscientização ambiental passa por conhecer a realidade local e por isso considera tão importante incluir a agenda ambiental durante o dia a dia do seu estabelecimento.
“Fazemos passeio de barco, temos opções de hospedagens e programações com bandas locais, mas no meio de tudo isso também destacamos a importância de proteger o meio ambiente. Temos várias sementes lançadas em cada canto, paisagem e alimento sobre o dever em cuidar não apenas da floresta, do mangue, mas de quem vive aqui. Como explicar que crianças que vivem cercadas pelas águas não possuem água potável para beber? Na minha concepção o turismo responsável é uma ferramenta de conscientização e confronto: mostra a comunidade, aponta os problemas e também mostra o que já está sendo feito para lidar com os desafios”, frisa.

Prazeres pontua que a gestão ambiental e de resíduos sempre está no pensamento de quem nasceu e ganha a vida na Ilha do Combu, mas reconhece o acesso desigual às vozes da ilha. O que segundo ela, deve ser combatido com urgência.
“Nós somos nativos, pensamos no meio ambiente todos os dias e temos ideias e soluções aplicadas todos os dias para resolver cada problema. O que falta é reconhecer o valor que a nossa palavra possui”, diz.
Ana Laura diz que o turismo comunitário responsável implanta uma semente na mente e no coração de cada visitante. Sua maior torcida é que a germinação dessa semente gere frutos como um olhar mais amoroso, consciente responsável para os locais visitados e para a própria cidade de origem de cada visitante.
“Quando a gente de reconhece como cidadão do mundo, cai por terra o pensamento de que apenas meu quintal importa, só aquele meu quadradinho. Aqui, nós vivemos da floresta amazônica em áreas urbanas, ribeirinhas, rurais ou na floresta, mas não significa que queremos o bem do cuidado ambiental apenas para nós. Queremos que a semente do olhar responsável germine onde quer que o turista esteja: seja aqui, em outra cidade do Brasil, ou em outro país. Queremos um futuro justo com para as populações da Amazônia, do Cerrado, da Savana, de onde quer que seja necessário. Se a gente conseguir que esse estalo de pensamento, capaz de despertar essa mudança, aconteça aqui: uma parte da missão já foi cumprida”, conta.


