Por Paloma Lobato
A forma como cuidamos do lixo e do esgoto na Região Norte está ganhando destaque no debate sobre a transição ecológica. Com a aproximação da COP30 em Belém, em novembro, as políticas climáticas focam cada vez mais em tornar as cidades menos poluentes.
Nesse cenário, o tratamento de resíduos sólidos (lixo) e efluentes domésticos (esgoto) surge como uma área crucial para diminuir a liberação de metano. Esse gás é um potente causador do efeito estufa, sendo 84 vezes mais prejudicial que o dióxido de carbono (CO₂) no curto prazo.
Assim, além de proteger as florestas e investir em energias limpas, dar atenção ao lixo e ao esgoto das cidades é fundamental para combater a crise climática.
Segundo o Plano Clima do Brasil (2024–2035), o tratamento inadequado de resíduos orgânicos e esgoto doméstico é responsável por cerca de 96% das emissões de metano no setor, sendo um dos principais vetores de impacto ambiental nas áreas urbanas da Amazônia Legal.
No Pará, a situação é crítica: mais de 40% dos resíduos ainda têm como destino lixões ou aterros precários, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).
Desafio urbano e climático
O Plano Clima inclui o Plano Setorial de Resíduos Sólidos e Efluentes Domésticos, com metas específicas de mitigação para o setor até 2035. A proposta prevê a ampliação da coleta seletiva, a redução da disposição de resíduos orgânicos em aterros, o tratamento adequado do esgoto e o estímulo à compostagem e biodigestão como soluções práticas para reduzir as emissões de metano.
O idealizador, fundador e atual presidente da Alachaster Negócios Sociais, referência na gestão de resíduos sólidos no Pará, Ted Vale, destaca os principais desafios enfrentados na região Norte, especialmente no Pará, para o cumprimento das metas climáticas relacionadas à gestão de resíduos sólidos.
Entre os desafios, Vale destacou a questão logística, explicando que os grandes centros de reciclagem estão distantes da Região Norte, o que eleva os custos operacionais.
“Apesar de ter algumas plantas industriais que tratam, por exemplo, o plástico aqui na Região Metropolitana de Belém, a falta de incentivos fiscais, subsídios, entre outros, impede que essas empresas aumentem suas plantas ou surjam novos negócio”, diz Vale
Outro fator crítico, segundo ele, é a falta de estrutura no ecossistema de resíduos, que envolve diversos atores como cooperativas, associações e empresários de sucata..
“Organizar isso faz parte do acordo setorial para envolver esses atores dentro do plano estruturante. A indústria da reciclagem precisa ser incentivada na região. Temos volume. Precisamos abandonar a lógica de aterrar o lixo, para a de transformação em novos produtos e energia, conforme previsto no Plano Setorial dentro do Plano Clima”, explica.
Nesse contexto, a COP30 surge como um momento simbólico e estratégico para que estados como o Pará apresentem avanços na gestão de resíduos, mostrando que é possível aliar combate às mudanças climáticas, inclusão social e desenvolvimento sustentável nas cidades amazônicas.

Papel de todos
O enfrentamento da crise do lixo depende de ações coordenadas em múltiplos níveis. Para a população, atitudes simples como separar o lixo em casa, evitar o descarte de orgânicos no lixo comum e aderir a programas de compostagem doméstica já geram impacto positivo.
As empresas, por sua vez, têm papel essencial ao adequar seus processos de descarte, implantar logística reversa, e apoiar projetos de reciclagem, especialmente em parcerias com cooperativas. Já os governos locais precisam investir em infraestrutura de saneamento básico, modernizar os sistemas de coleta e implantar políticas públicas de valorização da economia circular.
“Atualmente, o município de Belém conta com uma secretaria de gestão de resíduos sólidos, o que é um avanço enorme na construção dessa política pública alinhada com a NDC 2024. A partir da atuação dessa secretaria, o município e o governo do estado, através das SEAC, SEMAS, SEASTER, SEBRAE e etc, têm unido forças para que até a COP30, sejam feitas as entregas previstas no plano para que a capital possa não apenas receber a COP30, mas que deixe um precedente, porque a construção desse ecossistema de logística reversa precisará de novas rodadas de desenvolvimento”, afirma Ted.
Catadoras e catadores no centro da solução
Um dos pontos centrais do Plano Clima é o reconhecimento do papel estratégico das catadoras e catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis. Esses trabalhadores, que historicamente enfrentam condições precárias de trabalho, são protagonistas na coleta seletiva urbana, especialmente em cidades com baixa cobertura de serviços públicos.
“Os catadores e catadoras são os primeiros agentes na cadeia de logística reversa e coleta seletiva. Quase a totalidade dos resíduos reciclados e transformados no Brasil passam pelas mãos deles. Contudo, falta ações impactantes e estruturantes para esses atores. A Lei Nacional de Resíduos Sólidos já prevê o papel e a importância deles nesse cenário, mas as ações de inclusão ainda são incipientes”, complementa o representante da Alachaster Negócios Sociais.
A qualificação técnica, o apoio à organização coletiva e o acesso a tecnologias para o processamento de resíduos orgânicos urbanos, como a compostagem e o biogás, são ações apontadas como prioritárias no Plano. No Pará, iniciativas como as cooperativas de coleta seletiva em Belém, Ananindeua e Santarém demonstram que a inclusão social no setor pode caminhar junto com os objetivos climáticos nacionais.
Rumo à COP30: lixo como ativo climático
A COP30 é uma chance para o Pará mostrar que o lixo pode deixar de ser um problema e se transformar em ativo climático e social. Para isso, é necessário integrar as diretrizes do Plano Clima a políticas públicas locais, fortalecer o saneamento básico e apoiar iniciativas comunitárias de valorização dos resíduos.
“Por conta da COP30 e o fato dos resíduos sólidos serem um fator estratégico, inclusive, para a cidade receber o evento, em Belém as ações se intensificaram e vemos movimentos estratégicos que vão para além de falar de coleta seletiva, que é importante, mas que precisa que o ecossistema esteja organizado. Nesse sentido, Belém abre precedentes para todos os municípios do estado do Pará e para outros estados enxergarem os resíduos como fatores estratégicos nas ações de mitigação e adaptação climática. Para muitos, até mesmo especialistas, o resíduo é uma problemática que não interfere em questões climáticas, o que sabemos que não é verdade. Então, podemos mostrar ao mundo, como na Amazônia Urbana, essas ações impactantes e estruturantes podem ser implantadas”, finaliza Ted Vale.
Transformar o destino dos resíduos sólidos e dos esgotos em ação concreta contra o aquecimento global é um passo essencial para fazer da Amazônia urbana um modelo de desenvolvimento sustentável, e da COP30, um marco histórico na agenda climática brasileira.
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