Territórios ocupados por comunidades afrodescendentes no Brasil, Colômbia, Equador e Suriname apresentam taxas de desmatamento até 55% menores do que áreas similares sem reconhecimento legal, de acordo com estudo publicado nesta semana na revista científica Communications Earth & Environment, do grupo Nature.
Conduzida pela ONG Conservation International, a pesquisa analisou 21 anos de dados estatísticos, espaciais e históricos para medir o impacto das comunidades afrodescendentes, como os quilombolas, na preservação ambiental. Os resultados indicam que essas terras não apenas enfrentam menor perda florestal, como também apresentam níveis mais elevados de biodiversidade e retenção de carbono.
“Durante séculos, comunidades afrodescendentes administraram paisagens de maneiras que sustentam tanto as pessoas quanto a natureza, mas suas contribuições permanecem em grande parte invisíveis na conservação convencional”, disse Sushma Shretha, Ph.D., diretora de Ciência, Pesquisa e Conhecimento Indígena da Conservation International e principal autora do artigo. “Esta pesquisa deixa claro que sua gestão ambiental não é apenas histórica. É contínua e deve ser reconhecida, apoiada e aprendida.
As terras quilombolas apresentam taxas de desmatamento mais baixas mesmo quando comparadas a unidades de conservação, segundo pesquisa publicada na Communications Earth & Environment. O estudo revela que áreas protegidas com titulação registram, em média, 29% menos desmatamento do que aquelas sem reconhecimento formal. Fora das unidades de conservação, a redução alcança 36%. Nas bordas dessas áreas, o efeito é ainda mais expressivo: queda de até 55% na perda florestal.
Embora representem apenas 1% do território dos quatro países analisados — Brasil, Colômbia, Equador e Suriname —, mais da metade das terras afrodescendentes estão localizadas entre os 5% de áreas com maior biodiversidade do planeta.
“Povos afrodescendentes nas Américas têm atuado como gestores ambientais há muito tempo, sem reconhecimento ou recompensa — a maioria de seus territórios nem sequer é formalmente reconhecida”, disse Martha Cecilia Rosero Peña, Ph.D., Diretora de Inclusão Social da Conservation International. “As evidências, no entanto, são incontestáveis; o mundo tem muito a aprender com suas práticas de gestão de terras.”
A pesquisa também destaca que os territórios quilombolas analisados armazenam mais de 486 milhões de toneladas de carbono irrecuperável — tipo de carbono que, se liberado por desmatamento ou degradação, não pode ser restaurado em tempo hábil para conter os efeitos mais severos da crise climática.
O líder quilombola do povo saramaka, do Suriname, e vencedor do Prêmio Goldman de 2009 por direitos territoriais de afrodescendentes, Hugo Jabini, disse esperar que, com o estudo, que a visibilidade dos afrodescendentes como guardiões da florestas aumente e os líderes políticos não vejam mais quilombolas como meros reivindicadores de terras.
”A participação em fóruns internacionais como a COP30 pode aumentar significativamente a visibilidade, a representação e a influência da liderança afrodescendente na política ambiental global, contribuindo para uma governança mais equitativa e ambiental”, acrescentou Jabini.
As terras quilombolas no Brasil representam 39% das áreas avaliadas no estudo e se sobrepõem a 87 unidades de conservação, entre elas o Parque Nacional do Jaú, na Amazônia, considerado de relevância global. Apenas nos territórios quilombolas localizados em florestas tropicais, áreas úmidas e pantanosas do país, estão armazenadas 172,9 milhões de toneladas de carbono irrecuperável, o que equivale a 36% do total identificado nos quatro países analisados.
Florestas alimentares
As práticas de manejo da terra de povos afrodescendentes vêm da sabedoria de seus ancestrais, que, fugindo da escravidão, desenvolveram a “agricultura de fuga” em locais remotos das Américas. Essas técnicas inovadoras, como as “florestas alimentares”, misturaram conhecimentos africanos com novos ambientes, criando ecossistemas resilientes que se tornaram importantes para a biodiversidade e o armazenamento de carbono. Apesar de sua comprovada eficácia, o estudo destaca que a gestão ambiental e os direitos à terra desses povos, assim como os de indígenas e comunidades locais, ainda são subestimados.
O estudo aponta que, assim como no caso dos povos indígenas e comunidades locais, a administração ambiental e os direitos à terra dos afrodescendentes ainda são subestimados. Isso acontece apesar de um vasto conjunto de evidências científicas que comprovam a importância de suas práticas para a conservação ambiental.
- Reconhecimento legal dos territórios afrodescendentes para garantir sua proteção contínua;
- Aumento da investigação e do financiamento para apoiar os afrodescendentes e o seu trabalho de conservação; e
- Integração de práticas sustentáveis de gestão de terras usadas por povos afrodescendentes em políticas globais de clima e biodiversidade
“Os afrodescendentes protegem a biodiversidade e gerenciam ecossistemas há séculos, utilizando práticas sofisticadas de conservação que o mundo está apenas começando a compreender”, acrescentou Rosero Peña “Sua liderança não se resume apenas a preservar o passado, mas também a moldar o futuro das políticas climáticas e de conservação. Ao trabalharmos lado a lado com esses povos afrodescendentes, estamos fortalecendo soluções baseadas na natureza que beneficiam tanto as pessoas quanto o planeta.”
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