Setenta e quatro por cento. Essa é a porcentagem da redução de chuvas durante os meses de seca na Amazônia que é causada pelo desmatamento. Um estudo, liderado por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e publicado na revista Nature Communications, mostra que a devastação da floresta também é responsável por 16,5% do aumento da temperatura no bioma.
Pela primeira vez, os pesquisadores conseguiram quantificar o impacto da perda da vegetação e das mudanças climáticas globais sobre a floresta. O estudo, que será essencial para as estratégias que serão discutidas na COP30 em Belém, analisou dados de 35 anos (1985 a 2020) em 29 blocos da Amazônia Legal.
“Vários artigos científicos sobre a Amazônia já vêm mostrando que a temperatura está mais alta, que a chuva tem diminuído e a estação seca aumentou, mas ainda não havia a separação do efeito das mudanças climáticas, causadas principalmente pela poluição de países do hemisfério Norte, e do desmatamento provocado pelo próprio Brasil. Por meio desse estudo, conseguimos separar e dar peso para cada um desses componentes, praticamente mostrando uma espécie de ‘conta a pagar’”, resumiu o professor Luiz Augusto Toledo Machado, um dos autores do estudo, à Agência Fapesp.
A pesquisa revelou que as chuvas anuais na estação seca reduziram cerca de 21 mm, sendo 15,8 mm (74,5%) causados diretamente pelo desmatamento. Já a temperatura máxima aumentou aproximadamente 2 °C, com 16,5% desse aquecimento atribuído à perda da floresta e o restante, às mudanças climáticas globais.
De acordo com Machado, os resultados reforçam a importância da conservação da floresta em pé para manter a resiliência climática.
Isso porque a pesquisa mostrou que o impacto do desmatamento é mais intenso nos estágios iniciais. As maiores mudanças no clima local ocorrem já nos primeiros 10% a 40% de perda da cobertura florestal.
“Os efeitos das transformações, principalmente na temperatura e precipitação, são muito mais importantes nas primeiras porcentagens de desmatamento. Ou seja, temos que preservar a floresta, isso fica muito claro. Não podemos transformá-la em outra coisa, como áreas de pastagem. Se houver algum tipo de exploração, precisa ser de forma sustentável”, complementa o professor Marco Aurélio Franco, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP.
O que mais o estudo mostra
A pesquisa também analisou os gases de efeito estufa e concluiu que, ao longo do período de 35 anos, o aumento nas taxas de dióxido de carbono (CO₂) e de metano (CH₄) foi impulsionado praticamente pelas emissões globais (mais de 99%). Foi observada uma alta de cerca de 87 partes por milhão (ppm) para CO₂ e cerca de 167 partes por bilhão (ppb) para CH₄.
A Amazônia, que perdeu 14% da sua vegetação nativa entre 1985 e 2023, é responsável pelos “rios voadores”, que levam umidade a outras regiões do Brasil. O estudo alerta que o desmatamento e a degradação da floresta alteram esse ciclo, intensificando a estação seca e os riscos de incêndios. O artigo ainda cita outro estudo anterior que explica o mecanismo físico-químico de formação de chuvas no bioma.
A pesquisa foi apoiada pela FAPESP e pelo Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) e aponta que, se o desmatamento continuar, a precipitação diminuirá e a temperatura aumentará ainda mais, agravando eventos extremos como as recentes secas de 2023 e 2024.