Por Tereza Coelho
Aos 60 anos de vida, a história de Lúcia Torres se confunde com a própria carreira, pois já são mais de 40 anos de cozinha e 30 deles no Mercado Ver-o-Peso, a maior feira a céu aberto do mundo. Lúcia atualmente é chef de um restaurante no bairro do Umarizal, um dos mais valorizados da capital paraense, mas também tem dois boxes no Ver-o-Peso, onde ganhou reconhecimento nacional e internacional como boieira (nome dado para as cozinheiras tradicionais do Mercado Ver-o-Peso, consideradas guardiãs de pratos típicos como o peixe frito com açaí, maniçoba e vatapá).
Ela diz que tudo começou de forma simples, mas mudou de patamar graças às oportunidades de profissionalização, valorizando os conhecimentos que já possuía.
“Eu comecei vendendo churrasquinho, daí quando teve a reforma do mercado em 2000 veio a oportunidade de ter meu espaço e me reinventar”, relembra.
Por volta de 2010, uma série de eventos realizados em Belém apresentaram ao mundo a culinária feita pelas boieiras e seu maior tesouro: a provisão da agricultura familiar. Lúcia aproveitou a oportunidade para se profissionalizar e estudar a fundo para conhecer mais sobre os ingredientes e a gestão do próprio negócio.
“Na minha cozinha não tem nada de supermercado, tempero pronto, nada disso, porque tem tudo no nosso Ver-o-Peso. Os temperos são todos daqui, de Ananindeua, Santa Isabel, Ilha das Onças, Ilha do Combu, Ilha das Laranjeiras. Tudo fresco, de qualidade e feito por gente como a gente”.
Além da fama nacional e internacional em eventos de culinária regional, ela também é considerada embaixadora da gastronomia regional do Estado do Pará pelo ENCHEFS Brasil, evento voltado para chefs, apreciadores de gastronomia, empresários, estudantes e gestores do setor.
Agora, como curadora do Festival Gastronômico ‘Roteiro Cozinha Periférica’, Lúcia relembra a culinária como paixão e o compromisso em ajudar outras mulheres a crescerem com a gastronomia regional.
“A gente tá fazendo a nossa parte, ajudando, desenvolvendo sabedorias, sabores e saberes de gastronomia; eu sou feliz quando eu estou do lado das meninas, estou fazendo o que gosto, isso é muito bom”, diz.
Parte dos ensinamentos é valorizar os ingredientes e a produção familiar: “Temos tudo aqui, não precisa pegar nada de outro lugar. Fora que é muito bom ver nosso dinheiro e o dos turistas rodando aqui também”, comenta.
Nesta sexta-feira, 5, Dia da Amazônia, o Festival celebra a conclusão da 1ª Turma de Gastronomia formada por mulheres da comunidade da Vila da Barca, na Periferia de Belém, que leva Lúcia como professora e inspiração.
Inês Medeiros, liderança comunitária e uma das organizadoras do Festival, ao lado de Suane Barreirinhas e Kelvyn Gomes, fala sobre a importância deste momento.
“Encerrar o ciclo dessa forma é dar protagonismo a quem deve mesmo receber esse protagonismo, que são as mulheres, em sua grande maioria, chefes de família, mães solos e que têm como o ofício a arte da Boeira, de poder utilizar da cultura alimentar amazônica como sua principal fonte de renda”, diz Inês.
Lúcia reforça ainda que investir na culinária familiar é investir na manutenção da floresta.
“A gente faz uma rede colaborativa com quem tá lá nas Ilhas e produz, com quem atravessa e vende no Ver-o-Peso e nas outras feiras da cidade. Apoiar a culinária local também é uma forma de investir na floresta porque mostra pra gente e pro ribeirinho que dá pra se sustentar, criar os filhos e viver um pouco sem desmatar e produzindo no próprio quintal, na própria terra”, encerra.