“Já exploramos demais a natureza para gerar recursos financeiros e bens materiais. Agora, é hora de usar os recursos que geramos com essa exploração para proteger a natureza. Somos constantemente cobrados por depender apenas de dinheiro público para essa proteção, mas o Fundo Florestas Tropicais para Sempre representa uma virada de chave”, enfatizou.
A afirmação da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, mostra como a iniciativa brasileira TFFF (na sigla em inglês) pode transformar a forma como o mundo enxerga a conservação ambiental. O lançamento está previsto para a COP30, em Belém, mas, na reunião de alto nível na sede da ONU nesta terça-feira, 23, o Brasil vai articular apoio para o fundo, que pagará os países que garantirem a conservação de suas florestas.
Para começar a funcionar, o fundo precisa de US$ 25 bilhões (cerca de R$ 132 bilhões) em compromissos de investimento por parte de nações ou entidades filantrópicas. O governo brasileiro trabalha para que esse montante seja atingido até novembro, na COP30. O plano prevê um total de US$ 125 bilhões, sendo US$ 100 bilhões de investimento privado.
O governo brasileiro já confirmou que será o primeiro investidor do fundo, com um valor para padronizar os investimentos que virão depois.
O TFFF é uma nova forma de financiar a conservação. Não se trata de doação, mas de uma iniciativa que opera com a lógica de mercado, alavancando recursos privados a partir de investimentos públicos. A cada US$ 1 aportado pelos países investidores, a expectativa é mobilizar cerca de US$ 4 do setor privado, criando um fundo fiduciário permanente.
Para André Aquino, assessor especial do MMA, o fundo é um reconhecimento pelos serviços ecossistêmicos prestados pelas florestas.
“Nós sabemos que as florestas tropicais são fonte da estabilidade climática, porque elas retêm carbono e garantem ciclos hídricos – os rios voadores na Amazônia que conhecemos hoje muito bem no Brasil, por exemplo. Mais de 80% da biodiversidade terrestre de todo o mundo está nas florestas tropicais. Logo, elas fornecem serviços ecossistêmicos para a humanidade em nível global. O que o TFFF busca é que o mundo remunere parte desses serviços. É remunerar as florestas como base da vida, como base da economia, pelo nosso bem-estar”.
Regras e a questão das comunidades tradicionais
Para os 70 países que podem se beneficiar, os recursos do TFFF serão uma fonte previsível e em grande escala, complementar aos orçamentos atuais. O dinheiro será pago com base em relatórios anuais que comprovem a conservação das florestas, com o monitoramento via satélite.
Uma das regras de elegibilidade é que os países devem ter sistemas de gestão financeira transparentes e, de forma inovadora, concordar em destinar 20% dos recursos para Povos Indígenas e comunidades tradicionais. A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, ressalta que essa medida garantirá autonomia e recursos para que os povos, que são os maiores guardiões da floresta, possam implementar seus próprios projetos.
Além disso, a aplicação do fundo em projetos que envolvam combustíveis fósseis é vetada, priorizando títulos “verdes” e ações que promovam a conservação.
De acordo com o secretário-executivo adjunto do Ministério da Fazenda, Rafael Dubeux, o fundo traz valor concreto às florestas.
“O TFFF está criando uma solução para que a gente deixe claro que não é apenas um slogan a ideia de que a floresta em pé vale mais do que a derrubada. A gente vai verdadeiramente monetizar, viabilizar, pagar pelo serviço de preservação da floresta”.
Recursos e estratégia de atração
A iniciativa, que surgiu na COP28 em Dubai, já conta com a participação de países como Colômbia, Gana, República Democrática do Congo, Indonésia e Malásia, além de investidores como Alemanha, Emirados Árabes Unidos, França, Noruega e Reino Unido.
“É motivo de orgulho que no Brasil, em Belém, ou seja, no meio da floresta Amazônica, nosso país lance uma iniciativa que partiu do próprio Sul Global, da articulação do Brasil com outros países em desenvolvimento que têm florestas tropicais. Tem uma importância histórica”, afirma o embaixador Mauricio Lyrio, do Ministério das Relações Exteriores.
Um novo paradigma
O TFFF se alinha a outros esforços de financiamento climático, como o Roteiro de Baku a Belém, que busca levantar US$ 1,3 trilhão até a COP29. No entanto, sua principal vantagem, segundo Rafael Dubeux, é que, ao contrário de iniciativas baseadas em doações, o fundo é um investimento. Além disso, ele pode ser viabilizado sem a necessidade de consenso de todos os 196 países presentes na COP30.
A China e outros líderes dos BRICS já manifestaram apoio à iniciativa, que será uma das principais defesas do presidente Lula na Assembleia Geral da ONU em Nova York. A decisão de sediar a COP30 na Amazônia demonstra a necessidade de mostrar ao mundo a importância das florestas tropicais para a vida no planeta.