Faltando 62 dias para o início da COP30, Belém se aproxima da conclusão de, pelo menos, 30 obras vinculadas ao evento. Parte delas envolve a expectativa de décadas para mudanças estruturais na cidade. No entanto, especialistas divergem sobre o real legado das obras e seus beneficios para a população.
O Parque da Cidade, inaugurado no final de junho, é listado pelo governo paraense como uma das principais conquistas. Afinal, o espaço receberá a Green Zone, aberta ao público e parte da Blue Zone, que também ficará no Hangar Centro de Convenções da Amazônia.
Em entrevista ao jornal O Globo, Roberta Menezes, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará (FAU-UFPA), falou sobre a importância do local para a cidade.
“O Parque da Cidade é um ganho não só para Belém, mas para a região metropolitana. Nos dias em que o parque ficou aberto nas férias de julho, foi um sucesso. Ficou lotado todo santo dia, porque Belém é mesmo uma cidade muito carente de espaços de lazer. A localização do parque é muito interessante, porque sai um pouco do centro consolidado da Praça da República e da Praça Batista Campos, onde está concentrada a infraestrutura de cultura de Belém”, comenta.
Além do parque, o Porto Futuro II, na área portuária, promete novos equipamentos culturais como o Parque de Bioeconomia, Museu das Amazônias e a Caixa Cultural.No total, R$ 5 bilhões estão sendo investidos nas obras da COP30 com recursos federais, do BNDES e da Itaipu Binacional.
Mas nem tudo gera consenso. Tanto Roberta como José Julio Lima, também urbanista da UFPA, apontam problemas e críticas em outros projetos como os parques lineares da Nova Doca e Tamandaré, apontando risco de gentrificação (processo queatrai moradores e comércios de maior renda a um bairro popular, elevando os preços e forçando os residentes originais a se mudarem) assim como o desvio de esgoto para comunidades vulneráveis, como a Vila da Barca.
“A destinação final do esgoto da área da Doca para a comunidade da Vila da Barca é uma vergonha” declara José Julio.
Em nota, o governo paraense afirma que os resíduos serão tratados em nova estação, que ainda está em construção.
Atrasos e conflitos
Outras obras da COP30, como o Ver-o-Peso e o aeroporto, estão avançando, mas enfrentam desafios.
- Aeroporto Internacional de Belém: As obras, orçadas em R$ 450 milhões, deveriam ter sido entregues em agosto, mas ainda não foram finalizadas. A concessionária Norte da Amazônia Airports (NOA) afirma que a execução está em 95%. Enquanto a reforma não termina, o terminal enfrenta problemas de fluxo de funcionários e atrasos em serviços como despacho e check-in.
- Complexo do Ver-o-Peso: Obras no mercado enfrentam debates entre órgãos públicos. Um exemplo é a área do Cais da Pedra, onde um posto de guarda foi construído e, em seguida, demolido a pedido do Iphan, por se tratar de uma área histórica. O secretário extraordinário do município para a COP 30, André Godinho, lamentou a decisão, que impediu a utilização do local para turismo e segurança.
- Avenida Liberdade: A obra daa nova via, que gerou polêmicas nacionais por passar por uma área de proteção ambiental, não ficará pronta a tempo do evento. A Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística (Seinfra) se defendeu das críticas, afirmando que a obra segue o traçado de um linhão de energia já existente, onde a vegetação já havia sido suprimida. A secretaria informou que as obras estão 65% concluídas e a previsão de entrega é para o final do semestre, mas sem uma data exata.
O legado é ‘vingar’
Para os especialistas, o desafio é garantir que investimentos não se limitem a obras provisórias ou soluções de fachada. Roberta e José Julio destacam que algumas obras citadas como legado, já são serviços de manutenção naturalmente previstos, de forma periódica.
“Mais vias não resolvem mobilidade sem transporte público eficiente”, avalia a urbanista Roberta. Já José Julio afirma que o saneamento continua sendo o ‘calcanhar de Aquiles’ de Belém.
Para ele, as soluções provisórias de saneamento, como as obras de macrodrenagem, são uma falha por esquecer de pontos fundamentais, como o aumento da capacidade de tratamento de esgoto.
“Isso não é de agora, com a COP. Isso é eterno em Belém. Existe um financiamento antigo para macrodrenagem aqui, e alguns dos canais do pacote da COP30 já estavam incluídos. É uma coisa que nunca se completa, porque tem uma precarização da situação com as áreas sofrendo novas ocupações, e com mais moradias avançando sobre o canal”, declara.