A decisão do Congresso Nacional de derrubar vetos do governo federal ao Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental (PL), nesta quinta-feira (27), é um dos mais graves retrocessos legislativos do Brasil. O movimento, realizado dias após o país sediar a COP30, é visto por especialistas e organizações ambientais como um ataque direto ao principal instrumento de proteção de ecossistemas e de prevenção de desastres.
O alerta é de que a flexibilização irresponsável contribui para o agravamento da crise climática, comprometendo a segurança hídrica, afetando a agricultura e a segurança alimentar, além de ampliar a ocorrência de eventos extremos, como as enchentes no Sul e a seca histórica no Norte. Isso sem contar as preocupações com a reputação do agronegócio no mercado global.
Mesmo com o adiamento da votação de vetos relacionados à Licença Ambiental Especial (LAE) — que o governo tentou mediar por meio da MP 1.308/2025 —, o conjunto de medidas já aprovadas pelo Congresso afeta a capacidade do país de prevenir danos e garantir que as obras e atividades econômicas ocorram com transparência e segurança.
O governo federal deve recorrer ao Supremo Tribunal Federal. De acordo com a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, todos os órgãos ambientais ficarão sem capacidade de atuação com a derrubada dos vetos e, como não se pode admitir que a população fique completamente desamparada, é fundamental considerar a judicialização.
“Estamos considerando fortemente. Porque é inconstitucional você passar por cima do artigo 225 da Constituição Federal, que diz que todos os cidadãos e cidadãs têm direito a um ambiente saudável”, disse.
Organizações ambientalistas também afirmaram que irão à Justiça contra a nova lei, que, além de inconstitucional, expõe ao risco a saúde e a segurança dos brasileiros, libera a destruição ampla dos nossos ecossistemas e viola as metas climáticas do país, que acabou de sediar a COP30.
“Mantendo essa lei como ficou hoje, teremos uma alta insegurança jurídica e o enfraquecimento da proteção socioambiental. Não haverá outra saída a não ser judicializar essa norma nascida inconstitucional”, alerta a advogada do Instituto Socioambiental (ISA), Alice Dandara de Assis Correia.
Para André Guimarães, diretor executivo do IPAM e Enviado Especial da Sociedade Civil para a COP30, o país precisa ser mais eficientes com licenciamento ambiental, mas jamais ao custo de insegurança e riscos atuais e futuros para a população.
“Será que os ilustres senadores não entenderam o recado que a natureza está nos dando? A COP30, em Belém, deixa claro que ultrapassamos limites. Temos que repensar nossa relação com nossos rios e florestas. E não é com um PL apressado e disfuncional que seremos mais harmônicos com o meio em que vivemos”, lamenta André Guimarães, diretor executivo do IPAM e Enviado Especial da Sociedade Civil para a COP30.
A derrubada dos vetos permite que diversos dispositivos flexibilizadores voltem a vigorar, alinhando a legislação a um modelo que a sociedade civil considera obsoleto e perigoso:
- Autolicenciamento: A Licença por Adesão e Compromisso (LAC) vira regra, em prejuízo do modelo convencional, com análise prévia e controle do órgão ambiental. Qualquer empresário poderá obter a autorização preenchendo um formulário na internet e comprometendo-se de “boa-fé” a seguir algumas regras. O problema é que isso não vai valer apenas para empreendimentos de pequeno, mas também para os de médio porte e potencial poluidor.
- Dispensa de licenças: A lei concede de antemão isenção de licenciamento para 13 atividades e empreendimentos econômicos, como agricultura, pecuária, “manutenção e melhoramento da infraestrutura em instalações preexistentes”, sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário.
- Estados e municípios: A lei concede poder quase ilimitado para estabelecerem critérios para o licenciamento e estabelecerem sua própria lista de isenções, por exemplo. Isso pode gerar confusão regulatória, insegurança jurídica e uma “guerra ambiental” entre quem flexibiliza mais suas regras para atrair investimentos.
- Áreas protegidas: Terras Indígenas e territórios quilombolas cuja regularização não foi concluída não seriam considerados para efeitos do licenciamento de empreendimentos e atividades econômicas que os impactem. As Unidades de Conservação só serão consideradas se o impacto for direto. No caso dos quilombos, mais de 80% das áreas com processos de titulação abertos não seriam levadas em consideração. Cerca de 32% dos territórios indígenas com processos de reconhecimento já iniciados também seriam desconsiderados.
- Condicionantes: O PL pretende isentar empreendimentos privados de cumprir as “condicionantes ambientais”, jogando a conta dos seus impactos para a população e os cofres públicos. As condicionantes previstas no licenciamento são as obrigações de prevenção, redução e reparação de impactos socioambientais.
- Mata Atlântica: Permite desmatamento no bioma mais ameaçado do país sem análise prévia dos órgãos ambientais estaduais ou federais. A medida abre brechas para que qualquer município, mesmo sem estrutura técnica, plano diretor ou conselho de meio ambiente, possa autorizar o corte de vegetação.
Contradição e risco climático
A decisão do Congresso envia um sinal de incoerência ao mundo, logo após o Brasil assumir a liderança na agenda climática global. Na COP30, o país celebrou a redução do desmatamento na Amazônia e no Cerrado, mas o PL aprovado terá como consequência o aumento do desmatamento, o que fatalmente elevará as emissões brasileiras.
Para Mauricio Guetta, diretor de Políticas Públicas e Sireito da Avaaz e professor de Direito Ambiental, as consequências serão graves e duradouras, com danos irreversíveis ao meio ambiente e à saúde da população: “(O Congresso) optou por novos desastres e descontrole da poluição”.
O enfraquecimento da fiscalização é um fator de risco comprovado. A flexibilização amplia a ocorrência de eventos extremos — como as enchentes no Sul e a seca histórica no Norte — e pode levar a novos desastres de grande impacto, como os de Mariana e Brumadinho.
Insegurança jurídica e o futuro do agro
Embora a bancada ruralista e o setor empresarial defendam a lei como um avanço para o desenvolvimento, especialistas da área econômica alertam para o risco oposto: a insegurança jurídica.
A flexibilização excessiva e a redução da responsabilidade dos financiadores afugentam investimentos que hoje exigem conformidade socioambiental. O aumento do desmatamento e dos conflitos territoriais resultante das novas regras pode impactar a reputação do agronegócio brasileiro, pilar da economia, colocando-o na mira de barreiras comerciais internacionais.


