Por Paloma Lobato
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou nesta sexta-feir, 8,com 63 vetos o Projeto de Lei 2.159/2021, que modifica as normas do licenciamento ambiental no País. A proposta, em tramitação há mais de 20 anos no Congresso, representa uma das mudanças mais significativas no marco legal ambiental desde a criação da Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981.
O anúncio foi feito durante uma coletiva de imprensa com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, aa secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, e o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Sidônio Palmeira.
De acordo com Miriam Belchior, a decisão do governo foi guiada por quatro pontos principais:
- Preservar a integridade do processo de licenciamento.
- Garantir segurança jurídica para empreendimentos e investidores.
- Assegurar os direitos de povos indígenas e quilombolas.
- Agilizar o procedimento sem comprometer a qualidade.
Entre os trechos vetados estão dispositivos que poderiam fragilizar o controle sobre empreendimentos de alto impacto ambiental e reduzir a autonomia de estados e municípios nos processos de licenciamento.
Para preencher lacunas deixadas pelos vetos, o governo federal anunciou que vai encaminhar ao Congresso, em regime de urgência constitucional, um novo projeto de lei complementar, com o objetivo de garantir a segurança jurídica e evitar brechas que possam comprometer o controle ambiental.
“É um esforço grande de fazer com que a gente ganhe, como eu sempre digo, agilidade sem perda de qualidade. E que a gente possa fazer com que esse diálogo constante com o Congresso Nacional, possa nos levar a algo em benefício da proteção ambiental, do desenvolvimento sustentável, da proteção dos povos e comunidades tradicionais e de que o Brasil possa inaugurar um novo ciclo de prosperidade, aonde a economia não brigue com a ecologia, mas façam parte da mesma equação”, destacou Marina
Durante a coletiva, a mnistra afirmou que, mesmo com os vetos, a nova legislação não permitirá licenciamento ambiental simplificado ou monofásico, proposta defendida por setores do agronegócio, da construção civil e da mineração. Segundo ela, o objetivo é garantir à sociedade e à comunidade científica que a estrutura do licenciamento ambiental, considerada um dos pilares da política ambiental brasileira, será preservada, respondendo às preocupações de organizações ambientais e representantes dos povos originários.
“Todas as fases do licenciamento serão mantidas. Não haverá atalhos que comprometam a avaliação de impacto ambiental dos empreendimentos”, afirmou a ministra, que foi a principal articuladora dentro do governo em defesa dos vetos.
Congresso Nacional, que aprovou o projeto, decidirá em sessão ainda a ser marcada se mantém ou derruba os pontos vetados pelo governo federal.
Principais mudanças
Veja a seguir, as principais mudanças, após os vetos do governo:
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- Licença por Adesão e Compromisso (LAC)
Vetado: Ampliação do uso da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para atividades de médio potencial poluidor.
Por quê?: Evita que empreendimentos de risco relevante, como barragens de rejeitos, realizem licenciamento simplificado sem análise técnica adequada. O PL do Executivo, além de restringir a LAC para baixo potencial de impacto, acrescenta limites ao procedimento auto declaratório. - Entes federativos
Vetado: Dispositivos que transferiam de forma ampla a cada ente federado, sem padronização, a responsabilidade por estabelecer critérios e procedimentos de licenciamento – como porte, potencial poluidor, tipologias sujeitas a licenciamento, modalidades específicas de licenças e atividades passíveis de LAC.
Por quê?: A medida evita uma descentralização que poderia estimular uma competição antiambiental entre os entes federativos, em que a flexibilização de regras ambientais se tornaria moeda de troca para atração de investimentos com potencial de causar danos. O alinhamento nacional assegura previsibilidade para empreendedores, reduz disputas judiciais e mantém um padrão mínimo de proteção ambiental, garantindo segurança jurídica aos empreendimentos. - Preservação da Mata Atlântica
Vetado: Impede a retirada do regime de proteção especial previsto na Lei da Mata Atlântica em relação à supressão de floresta nativa.
Por quê? A Mata Atlântica é um bioma reconhecido como patrimônio nacional pela Constituição Federal e já se encontra em situação crítica, com apenas 24% de sua vegetação nativa remanescente. - Direitos de povos indígenas e comunidades quilombolas
Vetado: Dispositivos que restringiam a consulta aos órgãos responsáveis pela proteção de povos indígenas e comunidades quilombolas.
Por quê? A limitação proposta no texto do PL aprovado deixaria de fora uma série de povos e territórios em fase de reconhecimento pela Funai e pela Fundação Palmares, contrariando a Constituição Federal. O novo PL assegura a participação de ambos, prevenindo conflitos e fortalecendo a participação social nas decisões que impactam diretamente modos de vida e territórios tradicionais. Assim, mantém o que está previsto no regramento federal específico. - Cadastro Ambiental Rural (CAR)
Vetado: Dispositivo que dispensa o licenciamento ambiental para produtores rurais com CAR ainda pendente de análise pelos órgãos ambientais estaduais.
Por quê?: A medida protege o meio ambiente, uma vez que somente serão dispensados do licenciamento os proprietários rurais que tiveram o CAR analisado. - Condicionantes ambientais e medidas compensatórias
Vetado: Dispositivo que limitava a aplicação de condicionantes ambientais e medidas compensatórias apenas aos impactos diretos, excluindo os impactos indiretos ou os efeitos sobre serviços públicos agravados pela implantação do empreendimento.
Por quê? A medida assegura que, sempre que houver nexo de causalidade entre o empreendimento e os impactos ambientais – diretos ou indiretos -. possam ser exigidas medidas adequadas de mitigação, compensação ou controle, preservando a efetividade do licenciamento ambiental. No PL do Executivo a ser enviado, fica garantida a adoção de medidas para reforçar temporariamente serviços públicos que venham a ser pressionados ou sobrecarregados de forma excepcional em razão da implementação do empreendimento. - Proteção às Unidades de Conservação
Vetado: Disposito retirava o caráter vinculante de manifestação de órgãos gestores de Unidades de Conservação no licenciamento de empreendimentos que afetem diretamente a unidade ou sua zona de amortecimento.
Por quê? Medida reforça a importância da avaliação técnica especializada na proteção de áreas ambientalmente sensíveis, assegurando que os impactos sobre Unidades de Conservação sejam devidamente analisados e considerados nas decisões de licenciamento pelos órgãos gestores responsáveis por essas áreas”. - Licenciamento Ambiental Especial (LAE)
Vetado: Dispositivo que estabelecia um procedimento monofásico, que autorizaria a expedição de todas as licenças ao mesmo tempo, na LAE (Licenciamento Ambiental Especial), considerada pelo governo um importante instrumento para modernização do processo de licenciamento. Contudo, foi vetado o
Por quê?: Segundo o governo, “o processo monofásico exigiria dos empreendedores antecipação de despesas relevantes antes mesmo de co8 mprovada a viabilidade ambiental do empreendimento, que é um dos primeiros passos do processo. Por outro lado, geraria insegurança jurídica passível de judicialização.
O presidente assinou uma Medida Provisória que dá eficácia imediata à LAE. Pelo PL, ela só entraria em vigor em seis meses. Com a MP ela passa a valer imediatamente. - Responsabilidade de instituições financeiras na concessão de crédito
Vetado: Dispositivo que enfraquecia a responsabilidade de instituições financeiras em casos de danos ambientais de projetos por elas financiados.
Por quê?: A medida reforça a importância de que o crédito seja condicionado ao cumprimento da legislação ambiental, estimulando a prevenção de danos e alinhando o financiamento ao desenvolvimento sustentável. O PL do Executivo estabelece que o financiador deve exigir do empreendedor o licenciamento ambiental antes de conceder crédito.
- Licença por Adesão e Compromisso (LAC)
COP30 no foco
A decisão acontece em meio a protestos e durante os preparativos para a COP30, que será realizada em novembro, em Belém. A conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas colocará o Brasil em evidência na agenda ambiental mundial. A nova legislação será acompanhada de perto por delegações internacionais, especialmente no que diz respeito ao comprometimento do país com metas climáticas e à preservação da biodiversidade.
Com a sanção publicada, caberá ao Congresso Nacional decidir se mantém ou derruba os vetos presidenciais. A análise será feita em sessão conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e deve acirrar o embate entre a bancada ambientalista e parlamentares ligados aos setores produtivos, em especial ao agronegócio.
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