No mercado da moda, as bolsas de marcas como Fendi, Hugo Boss, Saint Laurent e Chanel são associadas ao luxo e ao alto custo de cada acessório. Mas por trás do requinte das peças está também uma cadeia de fornecedores com fortes relações com o desmatamento ilegal da Amazônia. Uma investigação da organização Earthsight divulgada pela DW revela que parte do gado criado por invasores da Terra Indígena (TI) Apiterewa foi exportado e pode ter abastecido as fábricas de grifes famosas.
O relatório “O preço oculto do luxo: o que as bolsas de grife da Europa estão custando à Floresta Amazônica” analisou registros de remessas de couro brasileiro para o exterior, dados sobre o setor pecuário, decisões judiciais, imagens de satélite e outras informações colhidas em campo para rastrear a trajetória do gado criado ilegalmente na TI que passou por um processo de desintrusão em 2024.
A rota do gado ilegal
Segunda a investigação, entre 2020 e 2023, mais de 40% dos pecuaristas invasores forneceram gado para abate nas unidades da Frigol no Pará. Durante esse período, estima-se que cerca de 17 mil animais foram vendidos para o frigorífico, o que seria suficiente para produzir 425 toneladas de couro.
Mas a quantidade pode ser ainda maior, já que a empresa não rastreia a maior parte dos seus fornecedores indiretos. Sem esse controle, aumentam os riscos da chamada “lavagem de gado”, quando os animais ilegais são vendidos como se fossem de uma propriedade regularizada.
Depois de abatido o gado, parte do couro produzido no estado é exportado principalmente via Durlicouros, uma empresa fundada no Rio Grande do Sul e que atua em cidades paraenses desde 2004. O relatório aponta que, entre 2020 e 2023, foram 14.700 toneladas de couro exportadas pela Durlicouros para a Itália.
Em solo europeu, cerca de 25% dessa matéria-prima é fornecida para os curtumes Conceria Cristina e Faeda, que fabricam itens diversos para marcas de luxo. Entre os clientes da Conceria Cristina estão Coach, Fendi e Hugo Boss. Já a Faeda abastece Chanel, Balenciaga e Gucci.
Problemas na rastreabilidade
De acordo com os pesquisadores, é difícil dizer se os curtumes europeus estão cientes sobre o rastro de desmatamento e violação de direitos indígenas, mas é certo que a certificação adotada no setor – a Leather Working Group – tem falhas no processo de rastreabilidade até as fazendas. Tanto a Durlicouros quanto os curtumes Canceria Cristina e Faeda têm essa certificação.
“O risco que observamos com sistemas de certificação é que eles são utilizados por empresas que querem ‘limpar’ sua cadeia de fornecimento como um atalho, em vez de realizarem uma diligência significativa por conta própria para garantir que suas cadeias estejam livres de desmatamento”, afirmou Lara Shirra White, pesquisadora da Earthsight, em entrevista à DW.
Com a entrada em vigor da lei europeia antidesmatamento, que proíbe a importação de produtos e matérias-primas com origem associada à destruição da floresta, a expectativa é inibir o avanço de negócios com histórico de ilegalidade e violação de direitos. Para Paulo Barreto, pesquisador do Imazon, a indústria do couro deve ter um controle ambiental semelhante ao que vem sendo adotado na pecuária de corte.
“Houve progressos parciais, mas o controle dos fornecedores indiretos é inexistente ou incompleto. Assim, gados criados em áreas desmatadas ilegalmente acabam entrando no mercado como se fossem legais. A falta de sistema público transparente sobre a origem do gado dificulta o controle”, analisa o pesquisador.
Empresas negam
Em nota à reportagem, as empresas e marcas citadas na investigação negaram realizar negócios com o gado criado em terra indígena. A Tapestry, proprietária da marca Coach, disse que está empenhada em melhorar a rastreabilidade e a transparência por meio de nossos programas com o WWF e outras organizações. O Kering Group, detentor das marcas Balenciaga, Gucci e Saint Laurent, reconheceu que os curtumes são seus fornecedores, mas afirma que o contrato com as empresas garante que o couro não é originário do Brasil.
Da mesma forma, a Hugo Boss disse que analisou os dados e consultou os curtumes para confirmar que nenhum dos couros fornecidos está relacionado a qualquer ilegalidade. A LVMH, das marcas Fendi e Louis Vuitton, afirma que baniu de sua cadeia de suprimentos de couro e produtos madeireiros da América do Sul.
Já o Leather Working Group reconhece que seu sistema tem falhas de rastreabilidade, mas garante que está aprimorando os requisitos e incluirá o estabelecimento de um sistema de cadeia de custódia para rastrear de forma detalhada a cadeia de valor do couro. As empresas italianas Conceria Cristina e Faeda não responderam à reportagem.