Um grupo formado por 352 organizações da sociedade civil, instituições acadêmicas e órgãos públicos entregou, na terça-feira, 8, um manifesto ao presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e ao relator do projeto de lei do licenciamento ambiental, deputado Zé Vitor (PL-MG). O documento critica a proposta em tramitação e pede que ela não seja pautada antes do recesso parlamentar, previsto para começar no dia 18 de julho.
Em um trecho da carta, as organizações ressaltam que “o licenciamento ambiental brasileiro pode ser aperfeiçoado, mas não dessa forma. Uma reforma verdadeira exige compromisso com os princípios constitucionais, o meio ambiente, a participação pública, a escuta setorial, a saúde e a ciência”, diz a nota.
Coordenada pelo Observatório do Clima, a carta reúne movimentos sociais, comitês de bacias hidrográficas, representantes indígenas, juristas e instituições de ensino como a Universidade Estadual do Maranhão (Uema), a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), a Universidade de Brasília (UnB), a PUC-SP e a Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Secretarias municipais de Meio Ambiente dos municípios de Primavera de Rondônia, Ariquemes (RO) e Caetanópolis (MG) também assinam o documento, além de grupos como o Movimento Paraopeba Participa e Movimento Tapajós Vivo.
No texto, os signatários afirmam que o projeto apresenta elementos inconstitucionais, carece de base jurídica e contraria decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo o manifesto, a proposta “institucionaliza a insegurança jurídica” e pode estimular uma onda de judicializações.
Um dos pontos mais criticados é o modelo de Licença por Adesão e Compromisso, que prevê a emissão automática de licenças ambientais com base na autodeclaração do empreendedor. Para as organizações, esse modelo favorece práticas predatórias e enfraquece o papel fiscalizador do Estado.
Segundo as organizações, “da forma como está, [o modelo] favorece em larga escala quem empreende de forma predatória, mas enfraquece drasticamente o papel do Estado de prevenir impactos negativos e danos”.
O manifesto também denuncia o esvaziamento da participação de órgãos técnicos, como a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), no processo de licenciamento. De acordo com o documento, a licença ambiental poderá ser concedida mesmo sem a manifestação dessas instituições.
“Mesmo na ausência de manifestação dessas instituições, a licença poderá ser emitida, o que fere frontalmente o princípio da precaução e coloca em risco povos indígenas, comunidades quilombolas, povos e comunidades tradicionais e seus territórios, unidades de conservação e o patrimônio histórico e cultural brasileiro”, segundo o texto.
Outro ponto de preocupação é o modelo de licença especial, sugerido pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que permitiria a liberação de empreendimentos considerados “estratégicos” sem análise aprofundada. As entidades alegam que a medida pode facilitar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e abrir espaço para favorecimentos indevidos, clientelismo e corrupção.
“Isso não só rompe com princípios básicos da administração pública como a moralidade, impessoalidade e eficiência, como também abre brechas para favorecimentos indevidos, clientelismo e corrupção, podendo prejudicar, por exemplo, empreendedores que aguardam há anos pela análise do seu processo de licenciamento e que podem entrar para o ‘fim da fila'”, diz o texto.
O manifesto se soma a outras manifestações públicas contrárias à proposta, como as da Comissão Arns de Direitos Humanos e da Comissão Tripartite Nacional, composta por representantes de órgãos ambientais das esferas federal, estadual e municipal.
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