O cumprimento integral do Acordo de Paris, em que países se comprometeram a limitar o aumento da temperatura média global a bem menos de 2°C acima dos níveis pré-industriais, poderia evitar que o planeta enfrente 57 dias de calor intenso por ano. A informação, que faz parte de um estudo organizado pelo Climate Center e pelo World Weather Attribution (WWA) publicado nesta quinta-feira (16), reforça a urgência das políticas climáticas diante de um cenário preocupante na América Latina, onde o calor extremo já é responsável por cerca de 1 em cada 100 mortes atualmente.
Uma análise de cenários feita por outro estudo, realizado por uma rede de pesquisadores em 326 cidades de nove países latino-americanos – Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, México, Panamá e Peru -, aponta que esse índice de mortalidade por calor pode mais que dobrar nos próximos 20 anos.
Considerando um ritmo normal de envelhecimento populacional e um cenário de aquecimento global moderado (entre 1ºC e 3ºC de aumento para o período de 2045 a 2054), as mortes atribuídas ao calor, hoje estimadas em 0,87% do total, podem chegar a 2,06% no pior cenário.
“As pessoas idosas e as mais pobres são as que mais sofrem. Quem vive em áreas periféricas, em moradias precárias e sem acesso a ar-condicionado ou a espaços verdes terá mais dificuldade para enfrentar ondas de calor cada vez mais intensas. As mortes são apenas a ponta do iceberg”, explica Nelson Gouveia, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), um dos autores do estudo à Agência Brasil.
O especialista alerta que o calor extremo eleva o risco de infartos, insuficiência cardíaca e outras complicações, principalmente em pessoas com doenças crônicas.
No Brasil, o estudo utilizou dados do SIM (DataSUS) e do Censo Demográfico (IBGE). A conclusão é que, assim como nos demais países analisados, as mortes causadas por temperaturas extremas – tanto calor quanto frio – devem aumentar consideravelmente, em grande parte devido ao crescimento da população acima de 65 anos na década de 2045-2054, faixa etária mais afetada.
Pesquisadores apontam que é possível reduzir mortes por calor extremo com políticas de adaptação climática. As medidas-chave incluem: planos de ação para calor intenso, sistemas de alerta precoce acessíveis, expansão de áreas verdes urbanas (para reduzir ilhas de calor) e protocolos de saúde pública que priorizem o atendimento de idosos e pessoas com doenças crônicas.
O estudo faz parte do projeto Mudanças Climáticas e Saúde Urbana na América Latina (Salurbal-Clima) e está disponível na revista eletrônica Environment International. O Salurbal reúne pesquisadores de instituições de nove países latino-americanos e dos Estados Unidos com o objetivo de buscar evidências sobre o impacto das mudanças climáticas na saúde da região.