O avanço do agronegócio de soja e milho no oeste paraense está provocando uma grave crise de saúde pública, com os municípios do Planalto Santareno — Santarém, Belterra e Mojuí dos Campos — registrando uma explosão de 545% nos casos de intoxicação por agrotóxicos nos últimos cinco anos.
Segundo o Painel VSPEA do Ministério da Saúde, a região somou 200 casos não intencionais entre 2021 e 2025 (contra 31 no quinquênio anterior), contribuindo com 10% do total de intoxicações do Pará na última década. Este ritmo de contaminação é quatro vezes maior que o aumento estadual, que foi de 150%.
O levantamento do Tapajós de Fato e Repórter Brasil mostra que a área de monocultura triplicou (para 217 mil hectares) em uma década, invadindo o entorno de comunidades indígenas (Munduruku e Apiaká), quilombolas e pequenos agricultores.
Líderes da aldeia Munduruku Açaizal, em Santarém, que é rotineiramente atingida por pulverizações, relatam a impossibilidade de manter o modo de vida,
“Tem dias que a gente precisa sair de casa, parar de almoçar ou fechar a casa, porque não aguenta esse fedor. Dá ânsia”.
Na aldeia Açaizal vivem cerca de 50 famílias da etnia Munduruku, que estão cercadar por vastos campos de soja e milho, resultando em uma rotina de exposição constante às pulverizações de agrotóxicos.
Uma liderança do território relembra a vida de antes, marcada pela abundância,
“A gente tinha muitas riquezas naturais, caçava, pescava, colhia frutas. Ninguém passava necessidade”.
Contudo, a paisagem foi drasticamente transformada a partir de 2003, impulsionada pela instalação do porto da Cargill em Santarém. O avanço das monoculturas substituiu as áreas de floresta por grandes lavouras.
Dados do sistema Prodes do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) apontam que o desmatamento acumulado em Belterra, Mojuí dos Campos e Santarém atingiu 97 mil hectares nos últimos 15 anos. O ritmo de devastação se acelerou recentemente, com 61 mil hectares de floresta derrubados apenas entre 2021 e 2025.
Pesquisas da Ufopa e Evandro Chagas confirmam os danos
A ciência produzida no Pará comprova a dimensão da ameaça. Pesquisas da Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará) e do Instituto Evandro Chagas revelam que a exposição contínua ao veneno (sendo 90% dos casos ligados à soja) causa danos severos e crônicos:
- Danos Neurológicos e Crônicos: Um estudo da Ufopa apontou um aumento de 667% nas mortes por doenças do sistema nervoso em Belterra, com a doença de Alzheimer associada ao uso de agrotóxicos por idosos. Além disso, foram identificados déficits visuais em moradores próximos às plantações, indicando exposição contínua.
- Glifosato e Saúde Feminina: Pesquisas na região associam o uso do glifosato a sintomas neurológicos e alterações na saúde reprodutiva das mulheres.
“Tem comunidades inteiras que a gente só vê a soja mesmo”, conta Sileuza Barreto, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Agricultura Familiar de Mojuí dos Campos. “As famílias que utilizavam os igarapés para seu próprio lazer ou para consumo, hoje em dia não usam mais por estarem impróprios”, continua.
MPF aciona Justiça contra a omissão do Pará
Diante da omissão de fiscalização – o próprio governo do Pará admitiu ao MPF nunca ter fiscalizado o Planalto Santareno até 2022 – o MPF (Ministério Público Federal) acionou a Justiça Federal. A Procuradoria cobra da União, do estado e da prefeitura de Santarém um “plano emergencial” que garanta distâncias mínimas de segurança entre a pulverização e as aldeias, quilombos e escolas. O MPF sustenta que a omissão na fiscalização coloca vidas em risco.
A luta das comunidades, como afirma a liderança Munduruku, é pela existência.
“A gente quer continuar vivendo aqui, onde nossos antepassados estão enterrados. É o nosso lar, o nosso território sagrado”


