Por Fabrício Queiroz
Entrecortada por rios, igarapés e uma das maiores reservas subterrâneas de água na Terra, a Amazônia tem nos recursos hídricos um dos seus principais patrimônios. A dinâmica do bioma e os modos de vida de muitas populações da região têm influência direta das águas e, por isso, os Diálogos Amazônicos abriram um espaço para discutir a gestão desse recurso. A programação ocorreu neste sábado, 5, e contou com a participação de representantes de diferentes movimentos sociais e de órgãos públicos.
A tônica do debate perpassou pela crítica aos impactos do modelo de desenvolvimento dominante e a importância das águas em uma perspectiva ecossistêmica. Fany Kuiru, líder indígena do povo Uitoto, da Colômbia, e primeira mulher a assumir a Coordenadoria de Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA), lembrou que os povos originários entendem a água a partir de uma cosmovisão que abrange, por exemplo, suas dimensões cultural e religiosa.
“Nós perdemos quando começamos a olhar os recursos de maneira fragmentada”, disse Fany, que ressaltou que a pressão das mudanças climáticas sobre as águas já é uma realidade.
“O ponto de não retorno não está no futuro, está no presente. Nossos rios já estão envenenados. É uma lástima. E quem sofre é quem vive nas margens dos rios”, alertou.
No mesmo sentido, a quilombola Paula de Menezes Baia, do território do Umarizal, no município de Baião, também denunciou as inúmeras pressões e impactos que os povos e comunidades tradicionais têm sofrido, sobretudo em decorrência da implantação de grandes empreendimentos, que afetaram a alimentação, a pesca e o transporte dessas populações. Apenas no território do Umarizal moram cerca de 700 famílias.
“Quando nós sofremos esses impactos, nós perdemos história, memória e identidade”, afirmou Paula.
Para ela, que é formada em Direito e pesquisa sobre a titulação dos territórios quilombolas, a existência de espaços participativos como os Diálogos Amazônicos é necessária para que as políticas públicas levem em consideração a realidade vivenciada pelos povos.
“A gente não trabalha com um modelo de gestão porque a água não segue um modelo. Ela tem uma gestão natural e por si só ela tem o ciclo dela. O que fazemos é preservar o que a gente ainda tem. E quando vemos que estamos ameaçados, usamos o conhecimento científico e acadêmico para combater isso”, pontuou Paula Baia.
Por sua vez, Tatiana Shor, chefe da Unidade Amazônia do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), defendeu que a gestão das águas precisa ser analisada em toda sua complexidade, envolvendo o entendimento sobre os rios, os igarapés e as chuvas, assim como sobre a questão geopolítica do tema e a importância do acesso a um recurso de qualidade para consumo. “Precisamos pensar ao nível das microescalas e em todas as suas especificidades”, resumiu.