Há pelo menos 11 anos, o turismo no Canal do Jari, localizado na confluência dos rios Amazonas, Tapajós e Arapiuns, virou um dos cartões-postais da cidade de Santarém. Um dos motivos é o jardim de vitórias-régias de Dulce Oliveira, que coleciona mais de 20 receitas com partes da planta. A iniciativa já trouxe mais de 10 mil visitantes para a região a fim de conhecer o menu degustação, que inclui a moqueca feita com a planta.
Em 2024, porém, a região enfrentou a pior seca dos últimos 120 anos, deixando comunidades ribeirinhas em completo isolamento, já que a água simboliza alimento, mobilidade e sobrevivência para quem vive no local. Um dos locais afetados foi o jardim de Dulce, que secou completamente. Em meio à sensação de pesar e impotência, uma corrente de solidariedade foi formada entre visitantes e moradores, como Dulce.
“Quando você vê um trabalho de 10 anos acabar em 60 dias, você enlouquece porque não entende, entra em desespero, perde o chão. Depois, a gente começa a colocar a cabeça no lugar e vê que isso chegou até a gente porque o mundo está pedindo socorro, um alerta muito grande das mudanças climáticas”, diz a chef Dulce, que atua com culinária de vitória-régia no Canal do Jari.
O turismo praticado na região é o de base comunitária em regime sazonal. Logo, o período em que essas regiões recebem visitantes é cuidadosamente concebido para proporcionar uma boa experiência visando ao menor impacto possível no ciclo ambiental da região. No caso do Canal do Jari e em boa parte de Santarém, no oeste do Pará, região também chamada de Baixo Amazonas, os ciclos de destaque são os períodos de seca e cheia.
A seca do final de 2024 desestabilizou famílias e comunidades inteiras. Dulce relembra que antes da tragédia, ela já estava criando mudas de vitória-régia em outros locais de casa para conhecer melhor o ciclo da planta, mas que se sentiu devastada ao vivenciar a grande estiagem.
Chef Dulce com grupo de visitantes na região do Canal do Jari. Foto: Arquivo Pessoal
“As plantas morreram, não foi possível coletar mais nenhuma semente”, diz.
Na época, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) declarou, pela primeira vez, situação crítica de escassez hídrica no rio Tapajós.
Novas perspectivas
Enquanto o jardim de Dulce estava morto, as comunidades recebiam ajuda humanitária para ter acesso a água e se alimentar. Foi quando a chef lembrou da ‘luz no fim do túnel’ que poderia ajudá-la a recomeçar.
“Eu tinha sementes em estoque, porque entre as receitas que criei, estão pipoca e farinha de vitória-régia. Já tinha algumas sementes germinadas, mas depois lembrei dessas outras guardadas, o que permitiu fazer novas mudas e começar uma nova fase de educação ambiental para ensinar e dar aos visitantes a experiência de cultivar a Vitória-Régia”, relembra.
Dulce cita que entre os mais de 10 mil visitantes recebidos por ela, alguns viraram amigos com quem conversa e interage pelas redes sociais. São eles que ajudam a difundir a nova fase do projeto e a atrair novos visitantes para replantar seu jardim.
“Eles (os visitantes) são os maiores incentivadores (a manter a atividade do jardim). Eles vêm, interagem, conversam, ajudam como podem, mesmo quando não têm nada. Junto com a comunidade, são nossos principais parceiros”, diz.
A região do Jari ainda se recupera dos impactos, mas já visa um futuro melhor começando pela recuperação dos jardins. Dulce diz que pessoas da comunidade ajudam acompanhando o desenvolvimento das mudas e planejando o replantio no próximo período de cheia, previsto para janeiro de 2026. Até lá, a esperança da comunidade do Canal do Jari se reflete em cada semente germinada.
“Não podemos deixar a vitória-régia entrar em extinção para começar a proteger, cultivar. Isso precisa ser feito agora para que outros jardins, outros espaços lindos sejam criados e, principalmente, preservem ela. Precisamos cuidar o quanto antes”, declara.
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