Apesar de ser um dos principais impulsionadores do desmatamento na Amazônia, a grilagem de terras raramente resulta em condenação judicial. É o que aponta um novo estudo do Imazon, que analisou sentenças em 78 processos criminais na região. A pesquisa concluiu que apenas 7% das decisões penais resultaram em condenações, um número alarmante que expõe a fragilidade do combate a essa prática ilegal.
A grilagem de terras é a prática ilegal de se apropriar de terras públicas ou privadas, geralmente por meio de documentos falsificados ou adulterados, com o objetivo de obter a posse da terra.
A maioria dos processos analisados tramitava em varas federais, principalmente no Pará (60%), Amazonas (15%) e Tocantins (8%). O tempo médio para uma decisão final foi de seis anos, mas em 17% dos casos as sentenças demoraram de 13 a 18 anos para serem concluídas.
Essa lentidão contribui diretamente para que os crimes prescrevam, sendo que os desfechos mais comuns foram a absolvição (em 35% das decisões) e a prescrição (em 33%).
A dimensão das terras griladas também é assustadora: 18% dos processos envolviam territórios acima de 10 mil hectares, o que equivale a mais de 10 mil campos de futebol. Em 8% dos casos, as áreas superavam 50 mil hectares, uma extensão comparável à cidade de Porto Alegre. A pesquisadora do Imazon, Lorena Esteves, explica que a grilagem de terras públicas “é uma das engrenagens centrais da destruição da Amazônia”.
Dos 78 processos avaliados ligados à grilagem, 30% envolviam Projetos de Assentamento e 26% Glebas Públicas, que abrangem porções de terras públicas da União onde havia ocupações privadas irregulares. Já em relação às condenações, a maioria (64%) ocorreu em casos envolvendo unidades de conservação.
“Ela envolve desde falsificação de documentos até a ocupação ilegal de áreas que pertencem ao Estado, alimentando um ciclo de destruição ambiental, especulação fundiária e violência no campo. Ao transformar patrimônio público em ativo ilegal, ela compromete a possibilidade de implementar políticas agrárias sustentáveis e aumenta os conflitos nas regiões mais vulneráveis da floresta”, explica Lorena.
Provas materiais
A pesquisa do Imazon concluiu que as condenações só foram possíveis com provas materiais específicas que inviabilizaram a argumentação de boa-fé por parte dos réus. Entre as evidências mais eficazes estavam as notificações prévias de órgãos fundiários, que informavam que o local era público e determinavam a desocupação.
Outro exemplo são os documentos com informações falsas declaradas aos órgãos, o que configura o crime de falsidade ideológica. Nessas situações, o desconhecimento da ilegalidade da área não pôde ser alegado, fortalecendo significativamente a atuação do Ministério Público.
Propostas para fortalecer sistema judicial
Para fortalecer o sistema judicial, o estudo do Imazon propõe mudanças significativas em diversas frentes. No campo legislativo, a principal sugestão é o aumento das penas atualmente previstas, que são consideradas baixas e favorecem a prescrição ou a substituição por medidas alternativas.
Já no âmbito do Ministério Público, é recomendado que as petições indiquem com detalhe a participação de cada acusado nos crimes alegados e que seja solicitada a reparação de danos causados às terras públicas.
Já para o Judiciário, uma proposta crucial é que a grilagem seja considerada um crime de natureza permanente. Com essa interpretação, o prazo prescricional só começaria a contar após o fim da ocupação ilegal, combatendo a impunidade.
O levantamento reforça também a importância do governo notificar os ocupantes ilegais para que saiam das terras públicas, uma prova que se revelou importante nos processos. Também é fundamental promover a destinação de terras públicas para usos coletivos e sustentáveis, como criação de terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação.
“A prevenção sempre é a melhor via. E para prevenir a grilagem de terras, é essencial avançar rapidamente na destinação de florestas públicas de forma compatível com o uso sustentável, retirando esses territórios dos alvos dos grileiros”, afirma Brenda Brito, pesquisadora do Imazon e uma das autoras do estudo.