A cada cuia quente servida em uma esquina amazônica, uma história de resistência, sustento familiar e identidade cultural é celebrada. Nesta terça-feira, 25, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reconheceu formalmente a importância desse ritual ao declarar o Ofício das Tacacazeiras da Região Norte como Patrimônio Cultural do Brasil.
A decisão, que inscreve o saber-fazer das mulheres amazônicas no Livro dos Saberes, valoriza um conjunto de práticas que vai muito além da receita e se consolida como um pilar da sobrevivência e do legado ancestral.
Prato típico da Amazônia, o tacacá é feito com tucupi e goma (derivados da mandioca), camarão seco, jambu e temperos variados. Contudo, o ofício não se restringe à culinária.
Conforme destacou o parecer técnico aprovado, escrito pela conselheira Izabela Tamaso, o ofício de tacacazeira compreende um conjunto integrado de práticas agrícolas, saberes tradicionais, técnicas culinárias, modos de comercialização, formas de sociabilidade e sentidos simbólicos.
“É o reconhecimento dos saberes e tradições da região norte. A região norte deve ser valorizada e fala sobre o que é o Brasil,” afirmou Leandro Grass, presidente do Iphan.
Sobrevivência e legado
A história do ofício está intimamente ligada a um contexto de crise econômica e à falta de empregos formais, quando a venda de alimentos de rua se tornou uma estratégia de autonomia e de manutenção familiar, majoritariamente feminina. Por isso, a conquista é imensa entre as tacacazeiras.
“Mantenho o legado da minha mãe, com modernidade. Todas as tacacazeiras estão em festa,” disse Ivanete Pantoja, presidente da Associação das Tacacazeiras de Belém.
Muito antes desse reconhecimento, a tacacazeira Maria de Fátima Silva de Araújo, de 70 anos, mais conhecida como Fafá, ela já se considerava um patrimônio em Belém. Há 25 anos atendendo no mesmo ponto, Fafá afirmou ao Pará Terra Boa que esse tipo de negócio sempre foi tocado pelas mulheres. “Hoje em dia, está mais misturado, mas é um espaço que nós conquistamos”,
A voz de Maria de Nazaré, tacacazeira de 71 anos que atua em Manaus,ecoa o sentimento de vitória e legado.
“Através do tacacá eu criei e eduquei vários netos. É de geração para geração. Meus filhos estão fazendo faculdade aqui, eu tenho um filho cirurgião, tenho neto advogado. Tudo se criou aqui, vendendo tacacá”
O tabuleiro que une a amazônia
O ofício está presente nas sete capitais do Norte, com características próprias em cada localidade, de Belém (PA) — com registros literários do século XIX — a Palmas (TO), onde a prática é mais recente.
Os pontos de venda são variados, de bancas e quiosques a carrinhos, e funcionam como centros de sociabilidade, reforçando a identidade amazônica. Segundo a pesquisa, quase 70% das pessoas que trabalham com tacacá são mulheres, muitas delas responsáveis por transmitir o conhecimento ancestral de preparo para as novas gerações.
Do pedido à salvaguarda
O processo de registro começou em 2010 e ganhou impulso em 2024, com uma pesquisa que ouviu mais de 100 tacacazeiras. O trabalho de reconhecimento foi validado com o suporte do Iphan e da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).
Com a oficialização, o Iphan agora elaborará um Plano de Salvaguarda. O objetivo não é apenas preservar o saber-fazer, mas garantir condições dignas de trabalho. O plano terá cinco eixos, incluindo: melhoria das condições de comercialização, acesso a matérias-primas e o direito à cidade, garantindo melhor infraestrutura nos pontos de venda.
A tacacazeira de Roraima, Irene Morais, resumiu o sentimento de gratidão: “Criei meus filhos com o tacacá, sou feliz pela minha profissão. Obrigado ao Iphan por toda essa estrutura.”
O futuro do ofício será guiado pelo cuidado e pela paixão de suas guardiãs: “Temos que colocar amor na hora de fazer o tacacá,” finalizou Keila Carneiro, tacacazeira também de Roraima.
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