Por Tereza Coelho
O almoço do Círio é mais que uma refeição: é um ritual coletivo de fé, afeto e ancestralidade. Em celebração ao laço de fé que perfuma a cidade em cada receita, o Psica de Nazaré 2025 realiza o Almoço das Matriarcas, no sábado, 11 de outubro, reunindo mulheres que representam as guardiãs da culinária amazônica.
Enquanto as romarias tomam conta da cidade e a devoção move multidões, mães, avós, filhas e chefas se reúnem para nutrir os corpos exaustos da caminhada e as almas que buscam acolhimento, pertencimento e identidade num tempo de reencontro com o que há de mais profundo.
Aflaviana Riveiro, que conduz o Tacacá da Flávia há 36 anos, vê a participação como um privilégio e reconhecimento da própria história.
Ela conta que começou e vender comidas típicas em um momento de dificuldade, mas hoje, além de colecionar vitórias como ser premiada pelo guia Veja Belém Comer & Beber como melhor tacacá de Belém, se alegra em poder contribuir com o sustento de outras famílias com a culinária amazônica.
“Meu esposo, Daniel, levava as sacas de mandioca, o jambu, tucupi e tudo que precisava no ônibus, foram muitos percalços por se tratar de uma rotina diária e muito cansativa. Agora, avançamos e temos a felicidade de produzir nossos insumos. Temos uma horta no Curuçambá (bairro de Ananindeua, cidade da Grande Belém) onde cultivamos nosso jambu, chicória, cheiro verde, pimenta, quiabo”, conta.
Já a afrochefa Mãe Jucy D’Oyá, do vatapá de Mãe Jucy, transforma cada panela em altar e cada colherada em oferenda. Sua culinária homenageia as mulheres negras que cruzaram o Atlântico mantendo o fogo da tradição aceso. Ela conta que sua vida na cozinha é um ‘chamado ancestral’ pela ligação direta com sua fé nos orixás.
“Quando fui iniciada no Candomblé Ketu para a Orixá Oyá, recebi a missão de fazer o acarajé como manter a ancestralidade e ajudar nos custos. Ali veio o entendimento que cozinhar é uma forma poderosa de alimentar a espiritualidade e manter a cultura viva”, cita.
Com o amadurecimento na fé, também veio o crescimento nos negócios. Hoje, Mãe Juci reúne mãe, tias, filhos e amigos próximos para lidar com os pedidos crescentes de todas as áreas de Belém.
“(A participação no almoço das matriarcas) É uma forma de honrar nossa fé, nossa memória e tudo aquilo que cada pessoa representa”, diz.
Além de Mãe Juci e Flávia, o almoço conta com outras quatro mulheres chefes que apresentam pratos como Tacacá, Vatapá, Maniçoba, torta Maria Isabel, Pato no Tucupi e Frito do Vaqueiro, prato típico do Marajó.
Psica de Nazaré
O Festival Psica é um festival musical de Belém que celebra a cultura e a identidade musical dos povos da Amazônia. O Psica de Nazaré, evento focado na maior festa religiosa do Brasil apresentando a cultura local para artistas nacionais e profissionais das artes e entretenimento veio com uma novidade em 2025: a Casa Dourada, um casarão histórico na Cidade Velha, ao lado da Catedral da Sé, ponto de saída do Círio.
“O Almoço das Matriarcas não é só uma celebração da comida. É uma exaltação das mulheres que sustentam comunidades com seus temperos e com sua coragem. É também um gesto de fé no poder que a comida tem de curar, unir e transformar. Na véspera do Círio, quando as promessas enchem as ruas e os corações se voltam para Nossa Senhora, essas mulheres nos lembram: a fé se cozinha lentamente, com paciência, generosidade e mãos ancestrais”, afirma Marcos Médici, pesquisador da cultura alimentar amazônica e curador do Almoço.