Por Tereza Coelho
Cerca de 50 mil pessoas, segundo os organizadores, tomaram as ruas de Belém, neste sábado (15), para a Marcha Global pelo Clima durante a COP30. Tradicional nas conferências do clima, o evento não acontecia há três anos pelo fato dos últimos encontros terem sido realizados em países com restrições de protesto.
Na capital paraense, a mobilização começou com a concentração dos manifestantes em frente ao tradicional Mercado São Brás, seguindo em cortejo até o Parque da Cidade.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, abriram a marcha com discursos.
Marina disse que o Brasil é o primeiro país do mundo que já sabe o caminho completo para reduzir a dependência de combustíveis fósseis. Já, Guajajara afirmou que um dos compromissos dessa COP é firmar um pacto de implementação de mudanças concreto, por um mundo mais justo e inclusivo
“Essa é minha quinta COP e é muito satisfatório ver as pessoas voltando a fazer esse movimento. Com a situação climática cada vez mais comprometida, a volta da manifestação popular é como soltar um grito preso na garganta”, disse Antonie Moreau, fotojornalista francês, para quem participar da marcha ao lado “de tantos povos diversos” foi inspirador.

Cheio de alegorias, o cortejo colorido e vibrante teve a cara da Amazônia, com máscaras de animais e figuras folclóricas da região. Entre elas, a cobra boiúna, figura do folclore da Amazônia que vive nos rios e é capaz de mudar o curso das águas e controlar pessoas e animais da floresta para enganar e assustar predadores e desmatadores.
Os cartazes, em várias línguas, não deixaram dúvidas: a luta é por justiça climática, pelo fim da exploração e do uso dos combustíveis fósseis, pela preservação da Amazônia, pela urgência do financiamento para uma transição energética justa e por ações efetivas para o enfrentamento à crise climática.

Para Uyucarpea, indígena Achuar do Equador, hoje é um dia de esperança para os povos originários.
“Precisamos estar aqui para defender nosso povo e a humanidade da devastação. Estamos juntos com todos os países da Amazônia para mostrar que estamos lutando. É isso que fazemos todos os dias e é isso que faremos até nossa morte. Os povos indígenas estão dispostos a dar a vida, quantas vezes for preciso, para garantir o futuro da humanidade – devemos isso aos nossos ancestrais e ao nosso futuro”, afirmou.
O peruano Alberto Rivas participa de sua primeira COP. Ele está em Belém, acompanhando um grupo de 20 jovens do movimento agrário daquele país. Ele afirmou ser desgastante ver que as negociações oficiais nem sempre levam ao caminho que a sociedade quer, apesar dos esforços de alguns, e isso só aumenta a crise climática.
“A principal resposta que estamos dando aqui é que a sociedade é uma só e o que crianças, jovens, adultos e idosos do mundo todo querem é um futuro em que os que virão depois de nós possam sonhar, possam viver dignamente”, ressaltou Rivas.
Cahaya Natalegawa, da Indonésia, disse que passar esses dias em Belém, durante a COP30, a fez perceber que mesmo pessoas que vivem tão distantes podem se reconhecer na forma como vivem. Ela, por exemplo, se identificou com as pessoas de Marajó.
“Queremos a mesma coisa. Queremos nossas águas livres e limpas, viemos delas e queremos continuar vivendo assim. Deixem nossas tradições sobreviverem, deixem os mangues e os rios em paz, não deveríamos estar implorando para viver, mas fazemos por quem não pode e por quem precisa desse futuro junto às águas”, disse.
A estudante paraense de engenharia florestal, Iara dos Santos, disse que não dava importância para a pauta ambiental antes de entrar na faculdade e ter convivência direta com agricultores, pescadores e indígenas,
“É emocionante ver gente do mundo todo unida pelo mesmo propósito. É ter a certeza que não estamos sozinhos no mundo e na luta por um meio ambiente livre dos poluentes e combustíveis fósseis”, afirmou.
Já a manicure, Raphaelly Cardoso, não estava entre os participantes da marcha, mas parou para filmar quando o cortejo passou pelo salão de beleza em que ela trabalha. Ela disse que soube pela TV que teria a manifestação e sobre os eventos da COP30.
“Por mais que expliquem na TV, a gente nem sempre consegue fazer a relação das discussões de lá com o que a gente vive todo dia, mas ver todo esse povo caminhando é muito bonito. Minha avó é de Capitão Poço e a primeira coisa que lembrei, vendo algumas mulheres que nem sei se são daqui, foi ela plantando laranja, açaí, feijão de corda. Hoje, ela não está mais aqui, e ver essas mulheres me fez matar um pouco a saudade dela”, disse Raphaelly.
Funeral dos fósseis
No início da marcha, aconteceu o “funeral dos combustíveis fósseis. A ação, montada por ONGs internacionais em parceria com artistas da UFPA (Universidade federal do Pará)e a Cúpula dos Povos, teve o objetivo de chamar a atenção das autoridades para a urgência de uma transição energética para fontes renováveis.
“A vida é bonita e preciosa demais para permitir que os combustíveis fósseis a destruam. A COP30 é o espaço onde devemos decidir encerrar sua era e acelerar a jornada para um amanhã mais justo e próspero”, disse Lina Torres, diretora de programas do Movilizatorio.
A performance — com caixões gigantes representando carvão, petróleo e gás, sóis e aerogeradores, mais de 80 jaguares performáticos, uma serpente de 30 metros e mais de 100 artistas — simbolizou o início do fim da era fóssil. A direção artística foi do Auto do Círio e da Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará.
“Este funeral é um grito poético: a era dos fósseis precisa acabar”, afirmou Inês Santos Ribero, coordenadora do Auto do Círio.


