A 20 minutos de barco de Belém, a ilha de Cotijuba é lar de um trabalho desenvolvido há mais de duas décadas pelo Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém (MMIB), que tem gerado de renda, empreendedorismo feminino e impulsionando soluções socioambientais integradas aos quintais das moradoras.
O grupo formado por mais de 70 associadas surgiu com foco inicial na autonomia financeira das mulheres, mas hoje o projeto se expandiu e atua também com ações sociais, atividades para idosos, incentivo à leitura infantil e iniciativas de turismo comunitário.

Adriana Lima, uma das lideranças do movimento, lembra que durante muitos anos a priprioca, raiz aromática usada na perfumaria, e o artesanato com a folha do Ajuru eram complementos na renda das famílias.
“Processamos, comercializamos e vendemos diretamente, sem intermediários. Apesar de ser um trabalho certo, era considerado apenas um bico. Depois começamos a estudar estratégias de uso integrado da terra e os resultados nos surpreenderam”, conta.
A virada começou há dois anos, com a criação de abelhas regionais sem ferrão. A expectativa era vender mel, mas a meliponicultura trouxe benefícios que foram muito além: mais frutificação, maior vitalidade das plantas e fortalecimento do ecossistema local.
“Percebemos que a produção de verduras, legumes e frutas aumentou, e tudo com qualidade ainda melhor. As abelhas fortaleceram tanto nosso trabalho que a agricultura virou a renda principal da equipe, garantindo sustento o ano inteiro”, explica Adriana.
A experiência motivou a criação de um quintal modelo na sede da associação. O espaço reúne tecnologias sociais replicáveis, como bacia de evapotranspiração, viveiro de mudas, meliponário e farmácia viva, voltadas tanto para a melhoria da qualidade de vida quanto para a geração de renda. Em uma ilha sem sistema de esgoto, o saneamento ecológico é visto como solução essencial.
Fortalecendo a economia local
Os quintais também passaram a integrar as rotas de turismo de base comunitária, fortalecendo pousadas e restaurantes familiares que hoje trabalham com produtos inteiramente produzidos na ilha. O movimento ganhou impulso após a pandemia.
“Naquele período ficamos isolados, o que nos fez repensar práticas. Antes, nossas frutas, verduras e legumes eram vendidos em Icoaraci e Belém. Depois, passaram a abastecer os restaurantes daqui, fortalecendo toda a cadeia local”, relata Adriana.
Das mais de 70 mulheres vinculadas ao MMIB, pelo menos 20 formalizaram seus negócios como Microempreendedoras Individuais (MEI) nos últimos cinco anos. Há iniciativas de artesanato, alimentos e cosméticos naturais.

Adriana cita o caso de uma moradora que antes vendia cosméticos industrializados e hoje produz óleo de coco e mel orgânicos, itens que se esgotam rapidamente na loja da associação.
“Ela trabalha em casa, consegue cuidar da família e recebe apoio no negócio. A qualidade de vida melhorou muito, e tudo o que faz é vendido aqui mesmo”, destaca.
Vitrine de negócios e identidade territorial
Cotijuba recebe entre 15 e 20 mil visitantes por dia, e a sede do MMIB funciona como vitrine dos produtos locais, aproximando produtoras e consumidores.
As camisas estampadas com ‘Cotijuba’ e ‘MMIB’ viraram outro destaque. Criadas por moradoras, são vendidas exclusivamente pela associação e usadas tanto por visitantes quanto por quem vive na ilha, reforçando o sentimento de pertencimento.
“Sempre recebemos fotos de alguém usando nossas camisas por aí. É a certeza de que estamos indo mais longe sem dizer uma palavra”, comenta Adriana.
A partir de 2026, o turismo comunitário da ilha passará a integrar o Coletivo Muda, rede nacional que reúne iniciativas de turismo responsável. A expectativa é ampliar a visibilidade das ações desenvolvidas pelo movimento.
Para Adriana, o conjunto dessas iniciativas mostra que fortalecer os quintais e a economia local gera impactos sociais profundos e duradouros.
“Estamos construindo orgulho do território e do trabalho desenvolvido por todas nós”, afirma.



