Mais de um terço (37%) do total de 257.591 processos minerários ativos no Brasil possui algum sinal de inconsistência. Os dados são da nova plataforma desenvolvida pela equipe de Mineração do MapBiomas — o Monitor da Mineração. Na prática, o dado indica que milhares de atividades de extração podem estar operando de forma irregular, à revelia da fiscalização e com risco elevado de danos ambientais e sociais em áreas não mapeadas ou proibidas.
No caso específico do Pará, o terceiro estado em número de processos (24.080) detém a maior proporção em irregularidades específicas, que indicam extração mineral em locais e períodos inadequados.
Lançado nesta terça-feira (2) e acessível gratuitamente, o monitor, ao cruzar dados processuais da Agência Nacional de Mineração (ANM), desde 1934 até 2025, detalha a gravidade das irregularidades.
Cerca de 60 mil hectares de área de mineração detectados pelo MapBiomas estão completamente fora de qualquer poligonal do Sistema de Informações Geográficas da Mineração (SIGMINE), indicando operações que funcionam totalmente à margem da ANM.
O monitor aponta que 84.466 processos (33%) têm sinais de mineração ativa, mas com permissão inapropriada, ou seja, em fases processuais que não correspondem aos regimes adequados.
Além disso, 7.738 processos (3%) estão em áreas restritas onde a legislação proíbe a mineração, como Terras Indígenas e Unidades de Conservação de proteção integral.
A plataforma também permite avaliar o recolhimento da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). A análise dos últimos seis meses mostra uma alta taxa de inadimplência, com 56,4% dos processos obrigados ao pagamento (26.622 processos) não efetuando o tributo no período.
“O Monitor da Mineração foi desenvolvido para integrar, de forma clara e objetiva, dados relevantes à análise do nível de conformidade das atividades minerárias com os parâmetros estabelecidos pela legislação nacional”, explica César Diniz, da Solved e que coordena a equipe Mineração do MapBiomas. “Sua finalidade é apoiar o Poder Público na ampliação da transparência e no aprimoramento dos processos relacionados à produção, à comercialização e à aquisição de produtos oriundos das atividades minerárias”, completa.
Fora do prazo e do limite permitido
O Monitor da Mineração aponta que 41% dos processos minerários no Brasil são de autorização de pesquisa – que também é o tipo de processo mais frequente em Minas Gerais e na Bahia, com 44,4% e 69,5% dos processos totais, respectivamente.
No Pará, o requerimento de lavra garimpeira é o processo mais comum, representando 38,9%.
A plataforma também revela inconsistências específicas por estado. No caso da Bahia, mais da metade (53%) dos processos minerários do estado possui algum sinal de inconsistência processual.
Embora a grande maioria (mais de 95%) dos processos minerários no Brasil não apresente problemas de tempo ou limite, o estado do Pará surge como um ponto de atenção crítica, por apresentar:
- Inconsistência temporal (1.010 casos, ou 4,19% do total no Pará): Este problema significa, na prática, que houve atividade de extração mineral antes que o processo estivesse na fase legalmente permitida. Ocorre, por exemplo, quando se detecta a mineração dentro da área de um processo antes que a licença ou o regime de aproveitamento adequado (Concessão de Lavra, etc.) estivesse vigente. A inconsistência também se manifesta quando, após a concessão da licença, o território é legalmente transformado em uma área de uso restrito, como uma Unidade de Conservação ou Território Indígena, e a atividade deveria ter cessado ou ter seu regime revisado.
- Transbordo de lavra (1.162 casos, ou 4,83% do total no Pará): Esta irregularidade, também de maior proporção no Pará, significa que a mineração ultrapassou os limites oficiais permitidos. Em termos práticos, a empresa ou o garimpo está escavando e explorando recursos minerais para além da poligonal definida em seu processo junto à ANM. O MapBiomas detectou esse transbordo ao cruzar os limites dos processos com seus mapas anuais de uso da terra.
Essas duas inconsistências no Pará indicam que há um desrespeito frequente aos limites geográficos e temporais estabelecidos pela legislação, resultando em mineração em áreas proibidas, em períodos não autorizados e fora dos limites licenciados.


