Por Tereza Coelho
Fora da Blue Zone, espaço central das negociações da COP30, que reúne negociadores e lideranças de diversas nações em busca de consensos para o combate à crise climática, projetos inovadores de agricultura sustentável e responsável no Pará mostram, na prática, formas de enfrentar a crise climática.
Uma dessas iniciativas é a Ecovila Iandê, em Santa Bárbara do Pará, que o Pará Terra Boa visitou na segunda-feira (17), a convite da Global Strategic Communications Council (GSCC), rede internacional colaborativa de profissionais de comunicação, focada em clima, energia e natureza,
Município da Grande Belém, Santa Bárbara do Pará fica a aproximadamente uma hora de distância de carro da capital. Lá, a agricultora Lenise Oliveira vive há 14 anos, transformando 28 hectares de terra degradados pelo desmatamento, extração de argila, areia e plantio de monoculturas em uma fazenda agroflorestal resistente à seca.
“Temos seis famílias que trabalham na terra. Começamos tudo com a regeneração da área degradada, associada com diversificação de cultivo. Ao todo, temos mais de 27 espécies distribuídas entre seis projetos e queremos devolver a floresta para essa região, deixando a terra mais produtiva, sequestrando carbono e levando dignidade às pessoas”, explicou.

Na visita, promovida pela GSCC, estavam também jornalistas da França, Índia, Reino Unido e Argentina, que, convocados para cobrir a COP30, puderam conhecer os exemplos locais em agroecologia e plantios com resistência climática,
Sobrevivendo à crise climática
Na seca de 2024, considerada a pior do século no Brasil, a agrofloresta, sistema de cultivo que mistura árvores e plantas agrícolas no mesmo espaço – gerando alimentos, recuperando o solo e conservando a natureza – provou sua importância prática para enfrentar a crise do clima.
Enquanto a bacia do Rio Tapajós foi declarada em situação de escassez hídrica pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), em Iandê a diversidade de cultivos garantiu que a comunidade tivesse produtos para colher e vender, mesmo com os prejuízos causados pela seca histórica.
“A floresta sofreu com a seca e nos avisou. No mês anterior, as formigas surgiram em grande quantidade e faziam buracos grandes na terra. Depois é que viemos entender que aqueles buracos era para ver se a água ganhava mais espaço para entrar no solo, cada vez mais ressecado”, contou Lenise.
A agricultora relembra que, assim como o aviso da natureza, os frutos que vieram da seca histórica também deixaram um recado ao amadurecerem.
“Parte dos frutos vieram sem sementes ou com sementes muito menores do que o costume. É como se fosse um alerta da terra para não reproduzir o que surgiu naquele momento”, lembra.

“A gente não cultiva planta, mas o solo”
Quem também expôs suas experiências durante a visita foi o agricultor César Fernando, que vive na comunidade Expedito Ribeiro, também em Santa Bárbara, há 20 anos. Ele explica que a área, que inicialmente concentrava 150 famílias, chegou a ter 55 pessoas anos depois. A redução de moradores aconteceu pelo fracasso em plantios iniciados por alguns moradores, feitos sob o regime tradicional de roça.
“Quando a gente chegou lá, era mata em pé, com árvores bem grandes e altas, mas como a gente trabalhava no sistema convencional de roça, fizemos a derrubada de parte dessa mata e as famílias faziam seu roçado. Daí, em 2014, quando essas pessoas não estavam mais lá, conheci a dona Lenise e começamos a fazer a recuperação florestal, que deu certo”, narra.
César explica que seguiu todas as orientações, da recuperação inicial do território com leguminosas até a fase seguinte, onde as leguminosas dividem espaço com árvores frutíferas e alguns tipos de madeiras. O princípio básico da prática é diversificar os plantios para garantir produtividade o ano inteiro, respeitando o ciclo natural de cada espécie.
“A plantação fica mais forte nesse processo agroflorestal, porque uma cultura protege a outra. Algumas precisam de mais sol, outras de mais umidade do solo. Aí como a prática reúne vários tipos de plantio, uma acaba oferecendo a solução que a outra precisa”, ensinou.
Como exemplo, o agricultor cita o plantio de maxixe e melancia como produções de curto prazo. Já a mandioca, banana e mamão foram citadas como plantios mais prolongados, chegando a durar mais de 12 meses. Aos 49 anos, ele cita que nasceu e formou família na roça, mas que teve a vida transformada pelo sistema agroflorestal.
“A gente não cultiva planta, mas o solo, porque é ele quem vai alimentar as plantas. Quando começamos a plantar, a gente também planta água, saúde e vida. O sistema agroflorestal produz 11 vezes mais oxigênio do que a mata nativa, porque a gente faz a poda, joga e ela rebrota”, explica.
César compara às necessidades de iniciativas concretas para apoio a agricultura ecológica como a necessidade de se cuidar da própria família.
“A terra é como um membro da família. Então, cada dia aprendemos uma coisa nova e precisamos estar atentos aos sinais, mas sempre se abrindo ao conhecimento e diálogo, porque se a gente se fechar a relação fica ruim e morre”, declara.
Antes de viver em Santa Bárbara, César viveu na Ilha de Mosqueiro, distrito de Belém. Lá, ele vivia da coleta e venda de frutas como açaí, taperebá, cupuaçu, cacau, uxi e piquiá.
“A gente vivia lá, catava as frutas, mas não era nosso. Agora tem cupuaçu caindo no meu quintal. Acordo com o cheiro fresco. Isso não tem preço e deixa eu e minha familia muito felizes por ter nosso chão e prosperar junto com ele”, enfatiza.

Lições para o mundo
Para a COP30, a ecovila, que já atua com cursos, vivências e visitações com foco em imersão ecológica e práticas agroflorestais, preparou a agenda para receber grupos de pesquisadores, agricultores e jornalistas.
“O interesse existe e temos que aproveitar para mostrar o que já estamos fazendo e que deu certo. Esse momento, em que autoridades de diversos países estão aqui, deve ser visto como uma oportunidade para mostrar o que já estamos fazendo para enfrentar a crise climática e, quem sabe, transformar esses esforços em políticas públicas de verdade. Não queremos apenas ser reconhecidos como um bom exemplo, mas que a prática agroflorestal ganhe mais popularidade e se espalhe pelo Brasil e pelo mundo. A terra sabe como enfrentar a crise, basta a gente ouvir e ajudar a acelerar esse processo” destacou Lenise,
Anna Ratcliff, do GSCC, explica que a Ecovila Iandê faz parte da Rede Intercontinental de Organizações de Agricultores Orgânicos – aliança global que representa 95 milhões de pequenos agricultores na América Latina, África, Ásia e Pacífico.
“Um dos objetivos principais dessa iniciativa é tirar as pessoas da formalidade dos espaços oficiais para conhecer boas práticas sustentáveis e regeneradoras da agricultura brasileira, tanto para reforçar o apelo no aumento no financiamento para adaptação climática, assim como pedir por metas claras para a parcela de financiamento destinada aos agricultores familiares e suas organizações”, disse.


