A agroecologia, reconhecida como uma ferramenta fundamental para enfrentar a crise climática global, está sendo afetada pelo aumento da temperatura média do planeta. Essa é a principal conclusão do mapeamento realizado pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), que analisou 503 iniciativas agroecológicas em 307 municípios.
O estudo ressalta o papel de liderança de pessoas negras, que estão à frente de 36,4% dos projetos. Contudo, essa resiliência é confrontada pela barreira institucional: das 503 iniciativas mapeadas, apenas 187 afirmaram acessar políticas públicas.
“O mapeamento mostra que essas diversas experiências de enfrentamento às mudanças climáticas podem ser minadas se não receberem o devido apoio do Estado e amplo reconhecimento social de como elas estão produzindo soluções a partir de seus territórios”, disse a Um Só Planeta.
O mapeamento “Agroecologia, Território e Justiça Climática”, realizado pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), além dos graves impactos causados por secas mais extensas, quebra do calendário de chuvas e temperaturas mais altas, revela as soluções práticas implementadas por mais de 20 mil pessoas.
A pesquisa foi realizada entre abril e junho deste ano, com mais de 20 mil pessoas, em 307 municípios, e envolveu agricultores familiares, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses, educadores e estudantes.
Ameaças e impactos das mudanças climáticas
- As mudanças climáticas levaram à diminuição da produção em 56,3% das experiências e à perda de alimentos em 48,1%.
- Para 66%, os impactos das mudanças no clima passaram a ser percebidas nos últimos 10 anos.
- 73,4% perceberam o aumento da temperatura e 70,8% identificaram a alteração do calendário das chuvas.
- Entre os principais impactos das mudanças climáticas registrados, estão o desaparecimento de espécies e variedades vegetais nativas (36,2%), espécies animais nativas (30,4%) e espécies e variedades vegetais agrícolas (19,7%), destacando-se ainda a percepção do aumento de doenças nas criações animais em 12,3% das experiências.
- No que se refere à saúde humana, 34,4% das experiências perceberam o aumento de enfermidades associadas às mudanças climáticas, como doenças cardíacas, diminuição da imunidade e adoecimento mental.
- A piora da qualidade do ar foi notada em 42,9% das experiências, sobretudo, em grandes centros urbanos e áreas de mineração.
- 326 iniciativas (64,8%) identificaram quais sujeitos intensificam as mudanças climáticas nos territórios, e o agronegócio foi citado por 221 experiências.
Características e soluções apresentadas pelas experiências mapeadas
- 35% das experiências mapeadas são voltadas para produção, beneficiamento, acesso a alimentos e mercados, refletindo o papel da agroecologia na promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional e na ampliação do acesso ao alimento saudável.
- Outros principais focos das experiências foram a conservação da agrobiodiversidade e a convivência com os territórios (31,4%) – que incluem salvaguarda de sementes e raças animais, práticas de regeneração ecológica, como manejo do solo, salvaguarda de espécies e Sistemas Agroflorestais (SAFs).
- As feiras foram apontadas como a principal forma de comercialização da produção agroecológica (14,5%).
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) foram as principais políticas públicas federais acessadas, mas somente 37,2% das experiências acessaram políticas públicas. - A construção de conhecimento foi foco de 14,7% das experiências.
- O mapeamento identificou que há, pelo menos, 28 grupos envolvidos nas experiências, sendo que mais de 35% das iniciativas são gestionadas por mulheres. Pessoas negras são responsáveis por mais de 36% das iniciativas, e povos indígenas por quase 4%.
- As mulheres negras apareceram como responsáveis por 95 experiências, ou seja, cerca de 19%.
214 (42,5%) experiências cadastradas atuam com agricultura urbana; as mulheres negras são protagonistas de 49 delas - A salvaguarda de sementes (37,18%) e a salvaguarda de raças crioulas de animais (9,15%) foram mencionadas como práticas que contribuem no enfrentamento aos impactos das mudanças climáticas.
- Na gestão da água, destacaram-se as práticas de manejo (42%), tratamentos ecológicos de esgoto doméstico – biofossas, fossa ecológica, círculo de bananeira etc. (26,2%), fossa bananeira (23,9%), cisternas e captação de água de chuva (22,3%) e barraginhas ou caixas de contenção de enxurradas/caixas secas (9,3%).
- Quase 50% das experiências perceberam que a organização de grupos e comunidades é uma prática que contribui para o enfrentamento das mudanças climáticas.