O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), declarou que a guerra comercial dos Estados Unidos, os conflitos armados e o avanço da direita nas eleições europeias estão dificultando o avanço das negociações climáticas. Segundo Corrêa do Lago, o diálogo com o governo norte-americano segue limitado, refletido na ausência dos EUA nas reuniões preparatórias realizadas em Bonn.
A ausência dos Estados Unidos nas negociações climáticas ocorre após a decisão de Donald Trump, em 2017, de retirar o país do Acordo de Paris, tratado internacional que define metas para conter o aquecimento global e foi criado justamente para incluir os norte-americanos, ausentes no Protocolo de Kyoto. A saída dos EUA representa um entrave às discussões, já que o país é o segundo maior emissor atual de gases de efeito estufa e lidera o ranking histórico de emissões. A COP30, que será realizada em Belém, marcará a primeira conferência climática sediada pelo Brasil desde a Rio-92.
“As negociações evoluem muito de acordo com as circunstâncias internacionais, e não preciso dizer que vivemos circunstâncias internacionais particularmente complexas”, declarou o presidente da COP 30 à Folha de S.Paulo.
As últimas conferências ambientais da ONU esbarraram sempre no mesmo obstáculo: a resistência dos países ricos em aumentar o financiamento solicitado pelas nações em desenvolvimento para combater a crise climática. Na edição mais recente, realizada no Azerbaijão, essa pauta foi oficialmente encerrada com a aprovação da nova meta NCQG, fixada em US$ 300 bilhões (R$ 1,6 trilhão), valor considerado abaixo do esperado por muitos. A insatisfação foi tamanha que, na conferência preparatória em Bonn, na Alemanha, em junho deste ano, alguns países tentaram retomar as negociações, mas só a tentativa de reabrir o tema já provocou a paralisação das discussões.
COP30
A COP30 será realizada em Belém, em novembro. Brasil e Azerbaijão terão a responsabilidade de apresentar o chamado “roadmap”, um plano que mostrará como o mundo poderá ampliar a meta de financiamento climático para US$ 1,3 trilhão (R$ 7,2 trilhões). No entanto, essa tarefa ocorre sem o engajamento da maior economia mundial, os Estados Unidos, que sequer enviaram uma delegação para as negociações em Bonn. Donald Trump já anunciou que o país deixará de ser signatário do Acordo de Paris, tratado que estabelece metas para o combate ao aquecimento global, em 2026.
“Não vejo muito o motivo de uma delegação americana ser ativa em Belém se um mês e meio depois eles vão, formalmente, estar fora do Acordo de Paris. Não faz sentido mandar uma delegação para ser ativa num acordo do qual você já anunciou sua saída”, complementa.
Alguns negociadores acreditam que a ausência dos EUA abre espaço para que nações menores assumam maior protagonismo nas discussões. “Ganha espaço, mas com a ausência de um ator muito importante. É uma vitória discutível”, discorda Lago.
Em entrevista à Folha, ele faz um balanço das negociações pré-COP em Bonn, projeta a conferência de Belém e critica Trump por utilizar o etanol e o desmatamento ilegal como justificativas para a investigação comercial contra o Brasil. “O presidente Trump precisa receber informações mais corretas sobre o Brasil.”
Impactos na COP30
Após a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, outra ação do presidente Donald Trump tem sido vista por ambientalistas e diplomatas estrangeiros como um possível revés nos esforços globais de combate ao aquecimento climático. A avaliação é que a pressão exercida por Washington para que países da Otan ampliem seus gastos militares pode comprometer os investimentos em áreas como o meio ambiente, uma das prioridades da política externa do governo Lula. Esse cenário, segundo analistas, tende a impactar diretamente a COP30.
“Muitas pessoas afirmaram que, certamente, o aumento dos gastos militares deve ter um impacto nos recursos de combate à mudança do clima”, ressaltou Lago.
Outra preocupação está relacionada ao aumento de tarifas promovido pelo presidente americano Donald Trump, o que desencadeou uma série de negociações comerciais paralelas, incluindo tratativas entre Estados Unidos e Brasil, e intensificou o conflito comercial com a China. Os efeitos têm alcance global e seus reflexos já interferem nas negociações preparatórias para a COP30.
“Naturalmente, há impacto sobre toda a agenda internacional, porque, no fundo, se desvia a atenção para algo que é, de certa forma, surpreendente. Esse tarifaço é um golpe muito grande na crença no multilateralismo. É natural que isso favoreça um pensamento de que o multilateralismo não é a resposta para a mudança do clima”, destaca o embaixador.
O presidente da COP30 não enxerga riscos financeiros, por exemplo, na continuidade das negociações sobre o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), uma das principais apostas do Brasil. Porém, a secretária Nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas e diretora-executiva da conferência, Ana Toni, avalia que o tarifaço imposto por Trump pode comprometer, de forma mais ampla, os esforços globais de enfrentamento às mudanças climáticas.
“Acho que não afetará as negociações, mas sim a transição, no país que, historicamente, é o maior emissor de gás efeito estufa, e, atualmente, é o segundo maior. O tarifaço fará com que os EUA andem mais devagar, ou até para trás”, afirma Ana Toni.
LEIA MAIS:
PL do Licenciamento Ambiental ameaça potencial do Brasil na COP30, diz Carlos Nobre
Sede da COP30, Pará lidera investimentos sociais na Amazônia Legal