Que o desmatamento e as queimadas causam prejuízos enormes para a manutenção das florestas e para o meio ambiente, todo mundo sabe. O que ainda não se conhecia era por quanto tempo os efeitos dessas ações podem durar e como isso prejudica também a restauração das áreas degradadas. Um estudo inédito publicado na revista Oikos apresentou as respostas para essas questões, trazendo à tona a importância das relações ecológicas que ajudam a manter a Amazônia.
A pesquisa foi desenvolvida pela bióloga Liana Chesini Rossi no doutorado em Ecologia e Biodiversidade da Unesp e está inserida no Programa de Monitoramento Ecológico de Longa Duração do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no âmbito do projeto coordenado pela Rede Amazônia Sustentável. O foco do trabalho está nas interações ecológicas frugívoras, isto é, nos impactos observados nas relações que os animais mantêm com a flora.
Normalmente, espécies de macacos, morcegos, pássaros, antas e outras ajudam a manter a diversidade da floresta por se alimentarem dos frutos e atuarem como dispersoras de sementes. A expectativa era que o estudo constatasse os impactos negativos sobre a biodiversidade em áreas que foram incendiadas ou com extração de madeira. Porém, a pesquisa revelou que os efeitos são ainda mais graves e de longo prazo.
“O estudo mostra que, mesmo passados 20 anos, as interações observadas ainda são simplificadas. Envolvem menos espécies, e elas interagem menos entre si. Isso é preocupante, porque essas interações são fundamentais para a regeneração e a consequente manutenção da floresta”, explicou a pesquisadora Liana Rossi ao Jornal da Unesp.

Monitoramento de mais de 1.500 horas
A investigação contou com mais de 1.500 horas de observações focais e 30 mil horas de monitoramento por armadilhas fotográficas situadas na Amazônia. O material foi coletado em quatro diferentes classes de floresta: intacta, explorada, explorada e queimada há 17 anos e explorada e queimada há três anos. Os resultados comprovam que as florestas intactas tiveram um número maior de espécies e de interações ecológicas em comparação com as áreas desmatadas e queimadas.
As florestas degradadas tiveram uma redução de 16% nas espécies de frugívoros e de 66% no número de interações de frugivoria. O artigo aponta que houve também mudanças na composição da fauna, levando até ao desaparecimento de espécies nessas áreas, como o pássaro cujubi (Aburria cujubi), o primata coatá-de-testa-branca (Ateles marginatus) e a anta (Tapirus terrestris).
“Além de empobrecer a biodiversidade nas florestas que foram queimadas, a ausência dessas espécies também priva algumas plantas de seus principais dispersores de sementes. Isso pode comprometer a estrutura e a continuidade das populações vegetais a longo prazo”, destaca o professor da Unesp e autor principal do artigo, Marco Aurélio Pizo.
No total, o trabalho registrou 4.670 interações de frugivoria, envolvendo 991 associações únicas entre 165 espécies de plantas e 174 animais frugívoros. A grande maioria das relações ecológicas (86%) se dá em ambiente arbóreo, enquanto apenas 14% foram observadas no solo.
Perda de biodiversidade
Os dados reforçam a importância das áreas florestais para a ecologia da região. Com menos espécies animais e vegetais, além de um processo constante de devastação, a Amazônia perde não só em biodiversidade, mas também fica mais vulnerável a novos impactos e pode sofrer ainda mais com os efeitos das mudanças climáticas.
“Menos interações resultam em uma diminuição no processo de dispersão de sementes, levando a uma regeneração florestal mais lenta, o que pode aumentar a suscetibilidade da floresta ao fogo e agravar ainda mais a perda de interações. Os dados reforçam que o tempo de recuperação dessas áreas pode ser maior do que se imaginava. Esse cenário é preocupante, especialmente diante das previsões de continuidade ou intensificação de distúrbios recorrentes, como queimadas e extração seletiva de madeira”, destaca Liana Rossi.